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    Pasquale Cipro Neto

    O papel das aspas, do artigo...

    29/09/2016 02h00

    Rodolfo Buhrer/Reuters
    Antonio Palocci (front), former finance minister and presidential chief of staff in recent Workers Party (PT) governments, is escorted by federal police officers as he leaves the Institute of Forensic Science in Curitiba, Brazil, September 26, 2016. REUTERS/Rodolfo Buhrer ORG XMIT: BRA103
    O ex-ministro Antonio Palocci é conduzido por agentes da PF em Curitiba

    Antonio Palocci nem havia chegado a Curitiba e já espocavam títulos nos sites etc. Vejamos estes dois: "Preparado para prisão havia quatro dias, Palocci negará ser o 'italiano'; "Há 4 dias preparado para prisão, Palocci negará ser 'italiano'".

    O segundo título estava na capa do UOL. Clicando-se nele, chegava-se ao primeiro, da Folha. O caro leitor notou as aspas em "italiano"? O que me diz do papel delas? O sentido mudaria se elas não existissem?

    O sentido mudaria, sim, e como mudaria! Não é preciso dizer que quem tem o sobrenome Palocci é italiano ou descendente; mesmo que tenha nascido fora da Itália, tem direito à cidadania italiana, o que, para todos os efeitos, dá ao descendente o status de cidadão italiano.

    Se não houvesse aspas em "italiano" (no título "Há quatro dias preparado para prisão, Palocci negará ser 'italiano'"), informar-se-ia que Palocci iria negar o status de cidadão italiano (e não importa aqui discutir as possíveis razões que poderiam levá-lo a essa negativa; o que importa é mostrar o que a falta das aspas provocaria).

    Com as aspas, o sentido é outro, e só se descobre qual é esse sentido com o conhecimento do contexto em que se insere o termo "italiano". Como se sabe, na papelada apreendida pela Polícia Federal havia um "italiano", alcunha que se imaginava fosse de Guido Mantega.

    Moral da história: o site e o jornal informavam que o ex-ministro Antonio Palocci pretendia dizer que não é o "italiano" que aparece na papelada, no livro-caixa, nos e-mails e sabe-se lá em que outros documentos apreendidos pela PF.

    Como se vê, o site e o jornal empregaram bem as aspas. O problema é saber se todos os leitores perceberam isso. Cá entre nós, muita gente nunca nota a presença das aspas; há também os que nem sabem para que elas servem, o que se comprova, por exemplo, quando um articulista faz uma citação e, justamente por isso, põe entre aspas essa citação. O que fazem alguns leitores, despreparados, desocupados e mal-educados? Furibundos, escrevem para o articulista, para execrá-lo pelo que "escreveu"... É dura a vida!

    Se antes da internet, das redes antissociais, dos celulares multifuncionais etc. muita gente já não notava as aspas, imagine agora que a leitura é de "esgueia", como se diz no interior. Mas isso não impede esses "leitores" de atirar para todos os lados. Que Deus nos ajude!

    É de notar também a sempre delicada questão do emprego e do não emprego do artigo (definido, nos exemplos citados). Não poderia haver artigo se "italiano" indicasse a cidadania; quando "italiano" é a alcunha, o artigo pode aparecer ou não, o que no caso se explica pelo fato de não se empregarem os artigos nas manchetes de sites e jornais.

    Pode ocorrer o mesmo problema com o artigo indefinido. Se alguém começa uma conversa dizendo, por exemplo, que tem medo de homem (ou de mulher), o sentido é um; se começa dizendo que tem medo de um homem (ou de uma mulher), a coisa é totalmente diferente.

    Na imprensa, por causa da tendência de eliminar o artigo (definido e/ou indefinido), pode haver forte ruído na comunicação.

    Recentemente, foi publicado um título com a expressão "cheiro de pobre". Lida a notícia, constatava-se que se tratava especificamente de um pobre e não de todos os pobres, o que talvez não atenue a gravidade do fato, mas condiz com o que ocorreu. Teria sido melhor escrever "cheiro de um pobre". É isso.

    pasquale cipro neto

    Escreveu até dezembro de 2016

    Professor de português desde 1975, é colaborador da Folha desde 1989. É o idealizador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de obras didáticas e paradidáticas.

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