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    Patrícia Campos Mello

    Dia da marmota em Guantánamo

    23/08/2013 03h25

    Estamos todos no "dia da marmota" em Guantánamo. Dia após dia, os advogados de defesa se reúnem no tribunal com os acusados e a promotoria, diante do juiz, e discutem minúcias e temas arcanos por horas sem fim.

    Cheguei à base naval da baía de Guantánamo no domingo. Vim acompanhar as audiências pré-julgamento no caso United States versus Khalid Sheikh Mohammed. O governo americano está processando Mohammed, acusado de ser o cérebro pro trás dos atentados de 11 de setembro, e outros quatro presos de Gitmo pela morte de 2.996 pessoas nos ataques.

    Há 15 jornalistas aqui, além de vários observadores de ONGs e nove familiares de vítimas acompanhando as audiências no tribunal.

    "Eles levaram dias para finalmente mencionarem o 11 de Setembro no tribunal", disse Francine Kaplan, que perdeu sua filha Robin Lynne, 33, no voo 11 da United Airlines que bateu contra a torre norte do World Trade Center. Ela está em Guantánamo acompanhando as audiências.

    Está certo, os advogados de defesa cumprem seu papel -estão questionando vários aspectos do julgamento e tentando atrasar os procedimentos. Há várias preocupações legítimas.

    Por exemplo, os acusados não podem ver muitas das provas que estão sendo apresentadas contra eles, por serem consideradas "sigilosas". "Vocês vão executar esse prisioneiros baseando-se em provas que eles não podem nem ver, nem contestar???", disse David Nevin, advogado de Mohammed.

    Também há questões sobre a integridade das comunicações entre os clientes e advogados de defesa, que estariam sendo monitoradas. Houve alguns incidentes.

    Cerca de 500 mil e-mails trocados entre a defesa e os réus vazaram dos servidores do Pentágono este mês, deixando exposta a comunicação confidencial. Além disso, parte dos documentos que seriam usados pela defesa foram parar misteriosamente em computadores da promotoria. E foi revelado que nas salas onde os advogados de defesa se encontram com réus havia microfones "disfarçados" de detectores de fumaça.

    E a defesa quer excluir todas as confissões que foram obtidas por meio de tortura -apesar de o governo americano afirmar que elas não serão admitidas, a defesa não tem acesso a relatórios sobre as confissões, que são considerados secretos.

    Os advogados de defesa dizem que não podem defender seus clientes adequadamente se não forem divulgados documentos que relatam o que aconteceu com os detentos entre 2002 e 2003, quando foram capturados, e 2006, quando foram transferidos para Guantánamo. Muitos deles foram torturados seguidamente em prisões da CIA em outros países nesse período.

    Mas o tribunal que está preparando o "julgamento do século", do maior caso de terrorismo da história, muitas vezes se perde em questões no mínimo prosaicas. Na terça-feira, o acusado Ramzi Bin Al Shibh reclamou de ser deixado sem comida toda vez que ia ao tribunal acompanhar as audiências ou quando se encontra com seu advogado. O Departamento de Defesa rebateu, dizendo que Ramzi reclamou que estavam faltando "azeitonas e mel" em seu almoço.

    No primeiro dia, discutiu-se longamente a dor no pescoço do acusado Mustafa al Hawsawi e a diarreia de Walid bin Attash. Na quarta-feira de manhã, a discussão ficou tão sonífera, que Mohammed cochilou. Nesse ritmo e conteúdo de discussão, o julgamento do século pode acabar ficando para o próximo século.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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