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    Patrícia Campos Mello

    Maduro, Mugabe e os fiscais do Sarney

    29/11/2013 03h00

    A inflação na Venezuela já está em 55% e falta tudo, de papel higiênico a óleo de cozinha e arroz.

    Na tentativa de debelar o inimigo hiperinflacionário, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, decretou uma "guerra econômica" contra os preços altos, os empresários gananciosos e a usura.

    Com os superpoderes que a Lei Habilitante lhe conferiu, baixou legislação que limita a margem de lucro dos empresários. Seu governo assumiu o controle de uma das principais redes varejistas do país, a Daka, acusada de "usura" --será administrada pelas Forças Armadas por tempo indeterminado. No início do mês, Maduro exigiu reduções de até 70% nos preços dos eletrodomésticos. Multidões invadiram as lojas e houve saques.

    A ideia de perseguir empresários na tentativa de segurar os preços não é original.

    O último a declarar guerra contra a inflação e os empresários foi Robert Mugabe, presidente do Zimbábue, em 2007. Como se viu, resultado foi catastrófico.

    Mugabe determinou que as lojas reduzissem os preços e pôs policiais dentro dos estabelecimentos. Um mundaréu de gente invadiu as lojas, em busca de TVs que saíam por até R$ 50 de hoje, e esvaziaram as prateleiras.

    Esse frenesi de consumo não ajudou o país a sair da crise. Ao contrário, exacerbou os problemas de hiperinflação.

    Mais perto, no Brasil, também houve várias tentativas desastradas de controle de preços. Como o malfadado Plano Cruzado e os fiscais do Sarney. O presidente José Sarney, em 1986, conclamou a população a vigiar supermercados e outros varejistas para evitar que aumentassem os preços. De broche no peito e tabela de preços na mão, os justiceiros circulavam pelos corredores dos supermercados. Abílio Diniz, então dono do Pão de Açúcar, foi acusado de esconder produtos e obrigado a depor.

    E a cereja do bolo -Sarney mandou a Polícia Federal confiscar bois no pasto. Os pecuaristas estavam esperando os preços subirem para vender seu gado, e houve desabastecimento de carne no país.

    Tudo isso resolveu o problema de hiperinflação no Brasil?

    Não. Aliás, piorou o desabastecimento, aumentou o ágio sobre as mercadorias e a inflação disparou de novo.

    Levaria ainda anos, até 1994, para um plano estabilizar os preços no país.

    Maduro segue os passos de Mugabe e Sarney.

    O presidente venezuelano ou não estudou história, ou deliberadamente apagou da memória o rastro catastrófico dessas medidas populistas.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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