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    Patrícia Campos Mello

    Os jovens e a tortura

    04/04/2014 03h00

    No ano em que o golpe de 64 completa 50 anos e os horrores dos porões da ditadura militar ganham destaque no noticiário, a tortura ainda é aceitável para um quarto dos jovens brasileiros.

    Esse dado assustador consta da pesquisa Datafolha sobre valores democráticos e ditadura, publicada no domingo.

    Para 26% dos jovens brasileiros de 16 a 24 anos, "a tortura pode ser praticada se for a única forma de obter provas e punir criminosos".

    Examinando mais de perto os dados, vemos os maiores índices de aceitação de tortura entre aqueles que fizeram só o ensino médio (23% desses aceitam tortura); com renda familiar entre 2 e 5 salários mínimos mensais (24%) e 23% dos homens (diante de 20% das mulheres).

    Promovemos um debate no TV Folha com o professor de sociologia da Unicamp Marcelo Ridenti, autor de vários livros sobre a ditadura, e o colunista Luiz Felipe Pondé para discutir os resultados da pesquisa.

    E tentar entender: afinal, quem são esses jovens que acham a tortura aceitável?

    Certamente, nesses 26% têm muita gente que assistiu e aplaudiu a policiais simulando sufocamento de suspeitos em Tropa de Elite; fãs das séries 24 horas e Homeland; e jovens que veem seus parentes constantemente serem roubados e querem justiça.

    Também pode-se argumentar que os mais jovens não viveram a época da ditadura e, portanto, não têm muita noção do que é a tortura usada como instrumento de Estado.

    Mas dificilmente trata-se de uma opinião circunscrita aos mais jovens.

    A série de linchamentos de assaltantes (e suspeitos) que tomou os noticiários ultimamente é outro sintoma dessa deformação dos valores democráticos. Começou em fevereiro, com um menino acusado de assalto que foi agredido a pauladas e acorrentado nu a um poste, no Rio.

    Essas cenas (seguidas de vários outras em que assaltantes eram submetidos a "justiçamentos" semelhantes) foram aplaudidas por boa parte da população - não apenas jovens, nem pessoas que só fizeram ensino médio ou ganham entre 2 e 5 salários mínimos por mês.

    E essa deformação tampouco se restringe ao Brasil. Na Argentina, houve pelo menos 12 linchamentos de ladrões nos últimos dias.

    De Buenos Aires, a correspondente Lígia Mesquita contou que um dos episódios mais recentes aconteceu no bairro de Palermo, em Buenos Aires.

    Após roubar a bolsa de uma mulher, o ladrão foi pego por pessoas que estavam próximas ao local do assalto. Os vizinhos começaram então a espancá-lo. O criminoso foi salvo pelo porteiro de um edifício, que interveio. "Nem a um cachorro se tenta matar dessa maneira", disse o porteiro.

    É tamanha a descrença nas instituições que deveriam julgar e punir criminosos, que facilmente se sacrificam os valores democráticos.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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