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    Patrícia Campos Mello

    Marinécio na política externa

    10/10/2014 08h00

    Se existe um tema em que os programas de governo de Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva Silva (PSB) têm muito em comum, esse tema é a política externa.

    "Desideologizar" a política externa, apostar em acordos bilaterais, flexibilizar o Mercosul, reaproximar-se dos Estados Unidos, tudo isso está nos dois programas.

    Mas o tom é um pouco diferente. A proposta de Aécio, essencialmente, traz uma visão de mundo antípoda à política externa atual.

    Já Marina tucanou um pouco sua oposição à plataforma do atual governo e se propunha a manter a ênfase no sul-sul.

    "O governo Lula abandona a agenda econômica de integração internacional do Brasil e prioriza coalizões sul-sul e uma agenda que se pretende política e social", diz o programa tucano.

    A proposta do PSDB, coordenada por Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington, menciona até a Alca em tons positivos (o horror! O horror!).

    Segundo a plataforma de Aécio, para que os acordos preferenciais cumpram seu papel, "a prioridade deve estar concentrada nos países desenvolvidos, nossos principais mercados de exportação".

    É velha conhecida a ojeriza tucana à Venezuela, à Argentina, à Bolívia e aos demais bolivarianos.

    Mas dizer que a prioridade deve estar concentrada nos países desenvolvidos, "nossos principais mercados de exportação", é temerário.

    Hoje, a Argentina é o terceiro maior destino das exportações brasileiras (ainda que neste ano as vendas estejam em queda de 24,5%), e a Venezuela, o sétimo (em que pesem alguns bilhões de dólares que o país deve a empresas brasileiras).

    Não vai ser fácil simplesmente mudar o foco da política externa e flexibilizar o Mercosul, abandonando Argentina e Venezuela à própria sorte.

    Algumas questões ficam no ar.

    Os tucanos criticam a ajuda financeira a Cuba (o que aconteceria com o financiamento do BNDES ao porto de Mariel e outras obras na ilha?), as ações "voluntaristas" e a abertura de muitas embaixadas no exterior "independentemente de seu custo benefício" (sinalizando um fim da política de aproximação com a África?)

    A proposta tucana tem maior ênfase em comércio exterior -marca do coordenador e resposta a anseios da indústria.

    Há muito que Barbosa sonha em ter no Brasil um órgão semelhante ao escritório do USTR (United States Trade Representative) para conduzir negociações comerciais e dar o devido empenho a isso.

    Integração às cadeias mundiais de valor, outro assunto caro a Barbosa, e muito importante para o Brasil, também tem destaque.

    Maurício Rands, coordenador do programa de governo de Marina ao lado de Neca Setubal, fez questão de dizer, em entrevista à Folha, que não é hora de abandonar a aproximação com os Brics, nem com o chamado sul geopolítico -embora um governo Marina não fosse fechar os olhos para abusos de direitos humanos, seja na Venezuela, seja na China, seja na Rússia.

    Mas o time marineiro-pessebista mantinha uma ênfase em Brics, África e sul-sul, ausente no programa de Aécio.

    Talvez essa seja a única questão a ser discutida em uma "união programática" da política externa.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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