• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 13:02:55 -03
    Patrícia Campos Mello

    Não atire no médico

    23/01/2015 19h40

    Em 2014, 247 trabalhadores humanitários foram vítimas de ataques no mundo, sendo que 95 foram mortos, 53 feridos e 99 sequestrados, segundo levantamento da Aid Worker Security Database.

    É um pouco dessa realidade que mostra o filme Access to the Danger Zone (Acesso à Zona de Perigo), sobre o trabalho dos Médicos sem Fronteiras no Afeganistão, Congo, no campo de Dabdab no Quênia e na Somália, que estão entre os locais onde mais morrem trabalhadores humanitários.

    O filme aborda também o trabalho Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) nessas localidades.

    Como explica logo no início do filme Christopher Stokes, do MSF, trabalhadores humanitários se transformaram em alvos nas zonas de conflito.
    Mas são essenciais, porque estão em locais aonde nenhuma outra assistência consegue chegar.

    "Vamos para lugares arriscados porque são os que mais precisam de ajuda, não porque somos caubóis", diz.

    São locais onde recém-nascidos morrem porque mães em trabalho de parto ficam retidas nos checkpoints; crianças perdem as pernas ao pisar em minas; adolescentes dão à luz bebês frutos de estupro coletivo,
    crianças desnutridas morrem de sarampo porque não foram vacinadas.

    Em Cabul, a Cruz Vermelha já cuidou de 10 mil vítimas de minas e distribuiu 100 mil próteses.
    A cena de vários afegãos em uma sala, tentando reaprender a andar, depois de por suas próteses, é destruidora.
    "A situação só está piorando", diz Alberto Cairo, ortopedista da Cruz Vermelha que trabalha há anos no hospital.

    No filme, o MSF deixa clara sua posição de neutralidade como condição sine qua non para atuar nos conflitos. Os MSF sempre negociam acesso e falam com os dois lados. Segundo eles, muitos trabalhadores humanitários ocidentais só falam com o governo ou forças apoiadas pelo Ocidente. E alguns usam ajuda humanitária como moeda de troca, para conquistar "corações e mentes" em contraguerrilha - dão remédios em troca de informação, por exemplo.

    Eles não usam escolta armada em nenhum lugar, a não ser na Somália, onde há uma indústria de sequestros e é impossível circular sem proteção. Estão expostos a enormes riscos: houve trabalhadores do MSF sequestrados em Dabdab, maior campo de refugiados do mundo; mortos em Mogadíscio, capital da Somália, e no Congo.

    Nesta terça (20), um hospital do MSF no Sudão foi bombardeado pela força aérea sudanesa - Um profissional dos MSF e um paciente ficaram feridos.

    "Somália, Congo e Afeganistão - o pessoal desistiu desses países, acham que não dá para consertar", diz um trabalhador humanitário no filme, a certa altura.

    O filme será exibido em sessões especiais em algumas cidades no Brasil e depois ficará disponível no You Tube, mas não há data prevista.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024