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    Patrícia Campos Mello

    Um cidadão curdo, uma AK-47 e o Estado Islâmico

    KHANKE, IRAQUE

    06/02/2015 02h00

    A região autônoma do Curdistão, no norte do Iraque, é conhecida como o "outro Iraque". Desde a capital, Irbil, até Dohuk, as cidades são mais seguras e mais desenvolvidas do que no resto do país.

    Daí por que o iraquiano curdo Shvan Rasool nunca tinha sentido necessidade de aprender a usar uma arma.

    Até agosto do ano passado. Foi naquele mês que combatentes do Estado Islâmico chegaram a 15 quilômetros de sua cidade, Bardarash, e não havia peshmergas (integrantes do exército curdo) para contê-los.

    Bardarash fica a 32 quilômetros de Mossul, a "capital" do Estado Islâmico no Iraque (na Síria, é Raqqa).

    Rasool, que quer entrar no mestrado em literatura inglesa neste ano e trabalha na Universidade de Dohuk, decidiu que precisava aprender a usar a AK 47 que estava na sua casa —herança da família.

    Começou a treinar com amigos e assistindo a vídeos do YouTube. "Agora sei atirar, posso me defender se eles vierem de novo", disse ele, que já teve de se refugiar no Irã nos anos 90, fugindo da perseguição de Saddam Hussein.

    Full disclosure: Shvan está nos ajudando aqui no Iraque, como tradutor, e nos mostrou fotos em que aparece com sua metralhadora.

    Como Rasool, muitos curdos estão se armando. Uma kalashnikov "made in China" pode ser comprada por US$ 300 no Iraque.

    Arquivo pessoal
    O iraquiano curdo Shvan Rasool, que vive em Bardarash, no norte do Iraque, empunha sua AK-47
    O iraquiano curdo Shvan Rasool, que vive em Bardarash, no norte do Iraque, empunha sua AK-47

    Muitos se apresentaram como voluntários no exército curdo (peshmerga). Desde que o EI conquistou Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, já morreram mil soldados peshmerga.

    Cerca de 1 milhão de iraquianos refugiados (ou deslocados internos, como são denominados refugiados dentro do próprio país) já se amontoam no norte do Iraque, grande parte deles no campo de refugiados, sem terem como voltar para casa por causa do EI.

    A maior parte são yazidis (minoria religiosa perseguida pelo EI), cristãos e outras minorias religiosas.

    Mas os curdos estão escaldados após várias ondas de perseguições. E viram o que o EI está fazendo com as mulheres e crianças yazidis. A demanda por AK-47s não para de subir.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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