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    Patrícia Campos Mello

    O 'SUS turco' e o desafio da oposição ao presidente Erdogan

    18/09/2015 07h00

    Estou na Turquia a convite do governo turco e tive um pequeno acidente na rua nesta quinta (17) –machuquei o pé. Como não parava de sangrar, perguntei a amigos turcos onde era a farmácia mais próxima.

    "É melhor irmos ao pronto socorro público", responderam-me os amigos com quem eu estava jantando. Eram juristas, jornalistas e cientistas políticos da oposição turca, muito críticos ao crescente autoritarismo do governo do presidente Recep Tayyip Erdogan e do primeiro-ministro Ahmet Davutoglu.

    O partido de Erdogan, o AKP, perdeu a maioria no Parlamento em junho. O partido convocou novas eleições para novembro, na esperança de enfraquecer o HDP, partido de apoio aos curdos, e ganhar a maioria.

    A grande ambição de Erdogan é ter maioria para criar uma "super-Presidência", com mais poderes executivos.

    A Turquia enfrenta desemprego de 11%, e o crescimento desacelerou para cerca de 3%.

    O governo Erdogan é cada vez mais autoritário e islamista, em uma sociedade com forte componente secular. Erdogan vem reprimindo a imprensa e movendo processo contra jornalistas críticos.

    Adem Altan - 1º.set.2015/AFP
    Em Ancara, capa do jornal "Sozcu" com a frase "Se o Sozcu for calado, a Turquia será calada"
    Em Ancara, capa do jornal "Sozcu" com a frase "Se o Sozcu for calado, a Turquia será calada"

    Para completar, degringolou o processo de paz com o PKK, o partido dos trabalhadores curdos, considerado terrorista pela Turquia, EUA e UE.

    Nos últimos dois meses, mais de cem pessoas morreram em atentados do PKK e em choques com a política turca. (Erdogan espera que isso ajude a turbinar sua popularidade, mas a estratégia pode sair para culatra).

    E, apesar de tudo isso, o governo mantém popularidade em muitas camadas da população.

    A explicação está no "SUS" turco.

    Fui atendida em meia hora no hospital público. Não havia fila. Um técnico fez um raio-x, o ortopedista me examinou, a enfermeira me medicou.

    Não foi sorte, não, garantiram a enfermeira, o médico e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

    A reforma do sistema de saúde turco foi um sucesso, admitem até opositores.

    Por exemplo: para marcar uma consulta com um médico, basta ligar em um número de atendimento e, em poucos dias, o paciente é atendido.

    Segundo a OMS, "melhoras nos indicadores de saúde [da Turquia] devem-se principalmente ao sucesso da reforma do sistema de saúde [iniciada em 2003, sob o partido AKP]."

    "É difícil as pessoas se importarem com a falta de liberdade de imprensa, a repressão política e a islamização se elas vêm ao hospital e tudo funciona bem e são atendidas de forma rápida e eficiente", diz um de meus amigos.

    "Nós, da oposição, temos uma batalha difícil."

    Se o SUS brasileiro funcionasse tão bem assim, será que a aprovação de Dilma estaria em 8%?

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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