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    Patrícia Campos Mello

    A Benghazi de Washington e a Líbia real

    22/10/2015 23h17

    Três anos e oito investigações depois, os ataques terroristas em Benghazi, que causaram a morte de quatro americanos em 12 de setembro de 2012, continuam dominando a cena política norte-americana.

    Na noite de 11 de setembro de 2012, extremistas atacaram e incendiaram as dependências do posto diplomático americano em Benghazi, cidade no leste da Líbia, causando a morte do embaixador dos EUA no país, Chris Stevens, e de um funcionário do Departamento de Estado, Sean Smith –aparentemente por causa da inalação de fumaça.

    Algumas horas depois, dois americanos contratados pela CIA, Glen Doherty e Tyrone S. Woods, morreram em um ataque de morteiro em um edifício próximo.

    Esam Al-Fetori - 11.set.2012/Reuters
    O consulado dos EUA em Benghazi durante o ataque de 2012
    O consulado dos EUA em Benghazi durante o ataque de 2012

    Por que não havia segurança suficiente para os diplomatas americanos? O Departamento de Estado ignorou advertências do embaixador Stevens sobre a possibilidade de ataques? Por que os EUA tinham de manter presença em uma região tão perigosa?

    Em tese, esses deveriam ser os principais tópicos da audiência no Congresso americano desta quinta (22), com o depoimento da então secretária de Estado e hoje presidenciável democrata Hillary Clinton.

    Mas, na realidade, o subtexto das perguntas é bem diferente.

    A missão dos democratas é passar a mensagem de que o comitê é partidário e tem finalidades meramente políticas –prejudicar a pré-candidatura de Hillary à Presidência.

    Legisladores democratas apontaram que o comitê gastou US$ 4,5 milhões dos contribuintes em 17 meses de investigação, sem chegar a nenhuma conclusão nova.

    Está certo que os republicanos não se ajudam. O líder da maioria na Câmara, o republicano Kevin McCarthy, disse no fim de setembro que o comitê afetou o desempenho de Hillary nas pesquisas.

    "Todo mundo achou que Hillary era invencível, certo? Mas nós montamos um comitê especial sobre Benghazi e quais são os números hoje? Os números dela estão caindo, porque ela não é digna de confiança, e ninguém saberia disso se não tivesse havido [o comitê]"

    Já os republicanos aproveitam o comitê para atacar um enorme flanco de Hillary –o fato de ela ter usado contas privadas de e-mail enquanto estava no Departamento de Estado e demorado quase dois anos para passar esses e-mails ao governo, seletivamente.

    Parte das mensagens foi vazada por um hacker e se referia à instabilidade na Líbia na época do atentado.

    Segundo uma pesquisa do dia 18 de outubro da NBC-WSJ, 47% dos americanos acreditam que o fato de Hillary ter usado seu e-mail pessoal é um fator importante para decidir o voto.

    A mesma pesquisa mostra que 44% dos americanos não estão satisfeitos com a forma pela qual Hillary lidou com os ataques de Benghazi quando era secretária de Estado. Mas uma pesquisa da CNN, divulgada nesta quinta (22), mostra que 72% acreditam que o comitê de Beghazi tem motivação puramente política.

    De qualquer maneira, enquanto Benghazi é um conceito abstrato para milhões de americanos (e uma arma política em Washington), a verdadeira Benghazi vive um caos bastante concreto desde a intervenção dos EUA e outros países.

    Desde que o ditador Muammar Gaddafi foi derrubado por potências estrangeiras, a Líbia é um país sem governo.

    Hoje, Benghazi é palco de batalhas entre facções ligadas ao Estado Islâmico e milicianos do grupo extremista islâmico Ansar al Sharia, responsável pela morte de Chris Stevens.

    O país está fatiado –tem um "governo oficial", reconhecido pela comunidade internacional, embora tenha pouca força, um islâmico, que domina Trípoli, e várias milícias.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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