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    Patrícia Campos Mello

    Como enxotar o cliente

    30/12/2015 02h00

    Parece piada ruim, mas é o recibo de compra de uma geladeira em uma loja em São Paulo.

    "Estou ciente de que a entrega da mercadoria objeto desse pedido de compra poderá ser feita em até 30 dias a contar da data desse pedido. A partir do 31 dia a Fast Shop não se obrigará a entregar a mercadoria aqui consignada, podendo, em caso de inexistência da mercadoria em estoque, transformar o valor desse pedido em crédito de mesmo importe para aquisição de outros produtos ou serviços, desobrigando a Fast Shop de entregar a mercadoria ora adquirida." (grifo meu)

    Traduzindo para português claro: você já pagou pelo produto, mas não sabemos se temos em estoque. Se não tivermos, azar seu, não vamos entregar. Não vamos devolver seu dinheiro –damos um crédito e, se você quiser, pode trocar por três ventiladores (embora você tenha pagado por uma geladeira). E dane-se.

    O varejo teve o pior Natal dos últimos 12 anos: as vendas caíram 14,7% em dezembro, na comparação com 2014.

    A situação não vai melhorar tão cedo. O desemprego medido pelo IBGE bateu em 7,5% no mês passado e a renda média real recuou 8,8% em relação a novembro de 2014.

    É um ótimo momento para as lojas repensarem seu atendimento ao cliente, tentando cativar, em vez de enxotar o consumidor.

    No quesito serviço ao cliente, o Brasil e seus oligopólios estão na idade da pedra.

    Só para comparar: se esse mesmo consumidor tivesse comprado sua geladeira na Best Buy, uma das principais cadeias de eletroeletrônicos dos Estados Unidos, ele poderia decidir se ainda iria querer o produto ou se gostaria de ser reembolsado, na hora, no caso de atrasos na entrega.

    Não haveria cobrança no cartão de crédito dele até que o produto fosse despachado do depósito da Best Buy. Ah, e se ele encontrasse a geladeira em alguma outra loja por um preço menor, receberia a diferença.

    A Fast Shop diz que o texto do pedido de compra é perfeitamente legal e que a empresa está só se precavendo, porque muitas pessoas que fazem listas de casamento na loja demoram para "resgatar" seus produtos e a loja não é "guarda-móvel". A empresa garante que o produto será entregue.

    Em prol da transparência, preciso revelar que a infeliz compradora da geladeira (ou aspirador ou ventilador, dependendo do que a loja decidir entregar) é minha mãe, que achou o sistema da empresa um tanto peculiar.

    É, precisamos urgentemente de uma revolução "Uber" no varejo, para aumentar a competição e dar um susto nesse pessoal acostumado a maltratar consumidor.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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