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    Patrícia Campos Mello

    Declaração curda na Síria e o Nixon de Moro

    18/03/2016 02h00

    Irbil, Iraque —Se a Síria já estava entre as últimas das preocupações do leitor brasileiro (e do mundo todo, desconfio), com o caos político no Brasil, isso piorou.

    Mas nesta quinta-feira (17), longe de grampos e escândalos tupiniquins, os curdos declararam um sistema federativo unindo três províncias do norte da Síria —Jazira, Kobani e Afrin. Excluídos pela Turquia das negociações de paz em Genebra, os curdos de Rojava, como eles denominam a região norte da Síria, resolveram dar o troco. Na prática, eles já têm autonomia e coordenam governo, obras, escolas e polícia. Não se vê presença do governo sírio em lugar nenhum. Com o federalismo, os curdos querem aprofundar essa autonomia, mas garantem que não querem a secessão.

    O movimento foi condenado tanto pelo governo sírio, "a declaração não tem legitimidade e é um ataque à unidade territorial da Síria", quanto pela coalizão de oposição, "prejudicial à causa curda e síria". E pode complicar as negociações de paz de Genebra que tentam por fim à guerra que completou cinco anos. Os curdos chegaram a dizer que o federalismo deveria ser fórmula para resolver a guerra, com regiões autônomas para sunitas e alauitas no país.

    O negociador da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, afirmou que essa pressão pelo federalismo é perigosa.

    Mas o fato é que a exclusão dos curdos das negociações de Genebra os deixou sem opção, e a declaração de federalismo pode ser uma jogada para aumentar sua alavancagem.

    "As negociações de Genebra não vão ser bem-sucedidas sem a nossa presença; nós estamos no front, lutando contra o Daesh (Estado Islâmico), protegendo e administrando nossa região", disse um dos legisladores curdos, Aldar Khalil, em entrevista a agências de notícias.

    "Todos esses fatores tornam difícil que nós nos encaixemos na equação síria. Então declaramos o federalismo."

    A Turquia considera o PYD, partido no poder em Rojava, terrorista, porque é aliado do PKK. O PKK e o governo turco estão em confronto aberto desde que negociações de paz entraram em colapso em julho do ano passado.

    O grande temor da Turquia é a formação de um território autônomo abrangendo quase toda a faixa de fronteira do país com a Síria. Isso poderia impulsionar o movimento de autonomia dos curdos na Turquia.

    Os Estados Unidos, porém, não concordam com a Turquia, seu aliado na OTAN —americanos colaboram ativamente com o YPG (milícia curda no norte da Síria) e , segundo relatos, já têm duas bases em Rojava.

    A brincadeira é que, para os EUA, os curdos são terroristas se estiverem na Turquia (o país considera o PKK terrorista), mas não se estiverem na Síria (Washington colabora com PYD, aliado do PKK).

    O PYD e suas milícias YPG e YPJ são os melhores e mais confiáveis aliados dos EUA na luta contra o Estado Islâmico.

    Agora, o governo americano afirmou, nesta quinta (17), que não apoia o federalismo curdo no norte da Síria.

    Washington não quis comprar uma briga tão grande com a Turquia, já que ainda precisa das bases turcas para seus ataques aéreos na Síria.

    Para não passar em brancas nuvens: sem entrar no mérito da validade da investigação, a comparação do juiz Sergio Moro entre o grampo de Dilma e Lula e o caso US vs Nixon, de 1974, é um despautério, falaciosa. Lula e Dilma foram "grampeados", enquanto Nixon GRAVAVA PESSOALMENTE as conversas dele e foi obrigado a liberá-las para investigação do caso Watergate.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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