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    Patrícia Campos Mello

    "Rendam-se ou morram de fome": o cerco como arma de guerra na Síria

    08/04/2016 02h00

    Um cessar-fogo está em vigor na Síria desde o dia 27 de fevereiro.

    Mas para as 1,6 milhão de pessoas que moram em áreas sob cerco (estimativa dos Médicos Sem Fronteiras), nada mudou.

    Em lugares como Daraya, subúrbio de Damasco, as tropas do ditador Bashar Assad não deixam alimentos nem remédios entrarem. Não permitem nem que sejam resgatados pacientes em estado gravíssimo. Nesses lugares, as pessoas estão se alimentando de grama, por falta de comida. Quem diz isso é a ONU, não um site sensacionalista.

    Usar o cerco como arma é uma das maiories atrocidades que podem ser cometidas em uma guerra - e olha que o conflito sírio já supera todas as dimensões de horror. A estratégia consiste em matar de fome milhares de civis. Rendam-se ou morram de inanição. Deixar que pessoas sucumbam a doenças tratáveis porque a entrada de medicamentos é bloqueada.

    No fim do ano passado, a cidade de Madaya e as excruciantes fotos de homens, mulheres e crianças famélicos se transformaram em símbolo do sofrimento na Síria. Em janeiro, o regime finalmente deixou comboios da ONU entregarem suprimentos na cidade. Mas os alimentos estão acabando e a fome voltou a rondar. Na segunda (5), Mohamad Shaban, 18, foi mais um morador a morrer por falta de comida.

    Daraya surge como a nova Madaya. Em uma carta divulgada pelo site MiddleEastEye, 47 mulheres de Madaya afirmavam que não têm acesso à ajuda da ONU.
    "Estamos prestes a testemunhar nossos filhos e parentes morrendo de fome", diziam. Entre as signatárias, várias não comiam havia mais de dois dias.

    Desde 2012, os moradores de Madaya sobreviviam com comida contrabandeada de uma cidade próxima. Mas em janeiro o governo bloqueou a estrada que ligava as duas cidades.

    Na terça-feira (5), a embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power, afirmou que Daraya não recebeu "nem uma migalha de alimento enviado pela ONU desde 2012".

    Ao MiddleEastEye, as moradoras contam que sobrevivem à base de sopa de grama. E não têm nem detergente para garantir um mínimo de higiene contra doenças.

    Há cerca de 60 áreas "sitiadas" na Síria, mais de 80% cercadas pelas forças do ditador Bashar al-Assad, como é o caso dos subúrbios de Damasco e de Homs. Os entornos de Idlib estão sob cerco de extremistas da oposição a Assad, e a região de Deir Ezzor está sitiada pelo Estado Islâmico e pelo regime.

    "Ao longo das últimas duas semanas, nas áreas sitiadas na região de Damasco, um médico foi morto por um franco-atirador, dois dos hospitais que apoiamos foram bombardeados, bairros sitiados continuam sendo alvejados, e a ajuda médica ainda está bloqueada ou restrita", descreveu Bart Janssens, diretor de operações da MSF.

    O cessar fogo foi assinado. Mas em vez de bombas de fragmentação, temos a fome e a doença.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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