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    Patrícia Campos Mello

    Zika: ainda sem repelente, sem exames, sem pensão do INSS

    29/04/2016 02h00

    No começo de fevereiro, conheci o bebê José Arthur em Serra Talhada, no sertão de Pernambuco.
    José Arthur nasceu com microcefalia e estava prestes a completar cinco meses. Nunca tinha feito uma sessão de fisioterapia ou estimulação precoce.
    O Ministério da Saúde havia anunciado um plano para oferecer esse atendimento no SUS a todos os bebês com microcefalia.
    Em Serra Talhada, no entanto, ainda não tinham conseguido contratar um profissional para o posto de saúde.
    Três meses depois, a situação melhorou.
    A mãe de José Arthur, Daniella Alves da Silva Campos, 23, contou-me que já há fisioterapeuta no posto de saúde da cidade e José Arthur faz duas sessões por semana.

    Mas tirando isso, nada mudou.
    O hospital Professor Agamenon Magalhães, em Serra Talhada, foi designado como centro de referência para atendimento de bebês com microcefalia no Estado de Pernambuco, mas não tinha pediatra de plantão e nenhum neuropediatra para cuidar dos bebês com microcefalia.
    Continua sem.
    Serra Talhada, município de 84 mil habitantes mais conhecido como a terra natal de Lampião, tem um dos maiores índices de infestação por Aedes aegypti no Estado - o mosquito é vetor do vírus do zika, chikungunya e dengue.
    Mas não há distribuição de repelentes.
    Na casa de Daniella, só José Arthur usa. A R$ 25, não dá para comprar para todo mundo.
    Como mostrou editorial da Folha, o Ministério da Saúde anunciou em dezembro de 2015 planos de distribuir repelentes a grávidas beneficiárias do Bolsa Família -um contingente estimado em 400 mil mulheres. Pretendia-se iniciar a entrega em fevereiro deste ano.
    Mas só na última sexta-feira (22) é que foi publicado no Diário Oficial da União um decreto criando o programa de distribuição de repelentes a essas gestantes. E não há data para o início.

    Em janeiro, José Arthur passou por exames para tentar determinar o que causou a microcefalia - se foi mesmo a infecção de Daniella por zika durante a gravidez.
    A família está esperando os resultados dos exames até hoje.

    Daniella acaba de ter negado seu pedido de "Benefício de Prestação Continuada", uma pensão de um salário mínimo (R$ 880) para deficientes em famílias de baixa renda.
    O benefício é concedido apenas para deficientes que comprovem uma renda familiar mensal per capita inferior a 25% do salário-mínimo (R$ 220).
    O pai de José Arthur, José Rosivaldo Ferraz da Silva, o Nenê, 27, trabalha com mototáxi e cobra R$ 4 por corrida. Em um mês ótimo, consegue ganhar um salário mínimo (R$ 880). A mãe, Daniella, não trabalha porque precisa cuidar do menino.
    Portanto, mesmo muito pobres, eles têm renda familiar per capita acima de R$ 220 - e tiveram seu pedido negado. Vão recorrer.

    José Arthur está com 8 meses. Ainda não senta, não sustenta o pescoço, nem segura objetos. Mas já consegue abrir um pouco a mãozinha.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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