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    Patrícia Campos Mello

    Os perigos do plano de flexibilização do Mercosul

    24/06/2016 02h00

    Uma das maiores bandeiras do chanceler José Serra em sua guinada na política externa é a "flexibilização" do Mercosul para que o Brasil possa fechar mais acordos bilaterais de livre comércio. A percepção é de que os outros parceiros do bloco "empatam" o Brasil.

    Pois bem, o Itamaraty está debruçado sobre a decisão número 32/00 do Conselho do Mercosul, que determina "o compromisso dos Estados Partes do MERCOSUL de negociar de forma conjunta acordos de natureza comercial com terceiros países ou blocos de países extra-zona nos quais se outorguem preferências tarifárias".

    A ideia é revogar ou substituir a decisão. Seria uma forma de flexibilizar o Mercosul, sem desfazer o bloco.

    Para revogar a decisão 32/00, é necessária aprovação dos quatro membros plenos do Mercosul. Paraguai e Uruguai são grandes defensores da iniciativa e sempre reivindicaram a possibilidade de fecharem acordos bilaterais de forma independente.

    Na semana passada, o chanceler uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, afirmou que Uruguai e China "estão trabalhando fortemente" para fechar um acordo de livre comércio. "Nós preferiríamos negociar em conjunto (com o Mercosul), mas temos algumas dificuldades, inclusive porque o Paraguai tem relações diplomáticas com Taiwan."

    Já a Argentina resiste à ideia. Mas, na visão do governo brasileiro, caso Brasil, Uruguai e Paraguai se unam pela revogação da 3200, será politicamente insustentável para a Argentina se opor.

    Mas não é apenas a Argentina que se opõe. O empresariado brasileiro, que nos últimos tempos vinha defendendo um acordo com os Estados Unidos, por exemplo, tem ressalvas.

    Primeiro, porque vale a regra clássica : "somos a favor da redução das tarifas, desde que seja a tarifa dos outros".

    Além disso, há a percepção de que a Argentina deixou de ser o bode na sala.
    A Argentina foi um obstáculo em muitos estágios da negociação entre União Europeia e Mercosul. Mas, ultimamente, a resistência maior venha de países como Irlanda, França e Polônia, por causa de produtos agrícolas.

    E agora, com o fim da dinastia Kirchner e a entrada de Mauricio Macri, os dois países estariam finalmente na mesma página, determinados a fazer propostas ambiciosas de abertura de seus mercados para finalmente fechar acordos. (De fato, há boa vontade no novo governo, mas se isso vai se provar verdadeiro na hora de negociar as linhas tarifárias, são outros quinhentos).

    "Fazia sentido revogar a 32/00 três anos atrás. Agora, só vai servir para irritar a Argentina", diz uma fonte.

    Além disso, é bom lembrar que o que vale para o Brasil, vale para a Argentina, pelo menos no papel. Ou seja, o Brasil poderia negociar um acordo de livre comércio com o Canadá, por exemplo. E a Argentina poderia fechar um acordo com a China e reduzir ou zerar a tarifa para a produtos que o Brasil também exporta.

    Prevejo gritaria e/ou quebradeira em exportadores brasileiros de calçados, máquinas, etc.

    "Se mexerem com a tarifa externa comum, acabam com os únicos mercados cativos que nós temos no mundo", diz uma fonte da indústria.

    E, por último, é preciso ponderar: será que não se trata do foco errado? Ainda há produtos sobre os quais o Brasil paga (e cobra) altas tarifas.
    Mas os grandes ganhos estão em acordos de serviços, investimentos e compras governamentais, que podem ser negociados de forma independente com ou sem a revogação da 32/00.

    Tudo isso mostra que é importante ter um estudo apontando, de forma quantitativa, quais os ganhos e perdas que traria essa flexibilização do Mercosul.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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