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    Patrícia Campos Mello

    Funerais para fetos

    01/12/2016 22h59

    A partir do dia 19 de dezembro, toda mulher que fizer um aborto no Estado do Texas terá de enterrar ou cremar o feto. Se a mulher sofrer um aborto espontâneo, também terá de providenciar os arranjos funerários, mesmo que o embrião tenha poucos dias ou semanas e seja praticamente invisível.

    Essa regra foi adotada pelo governo conservador do Texas e faz parte de uma série de medidas que visam a restringir o direito ao aborto nos Estados Unidos.

    Lá, o aborto é permitido desde 1973 a partir da decisão Roe vs Wade da Suprema Corte. Segundo essa decisão, o direito constitucional à privacidade inclui o direito das mulheres de tomarem decisões médicas sem interferência, entre elas fazer um aborto.

    Muitos Estados americanos tentam restringir o aborto com leis estaduais ou medidas administrativas.

    Alguns exigem que a mulher faça um ultrassom e olhe para o exame antes de fazer um aborto (mesmo se ela tiver sido vítima de estupro ou incesto). Outros requerem que a mulher passe por aconselhamento psicológico e dê justificativas para interromper sua gravidez.

    Essas medidas devem ganhar força no governo do republicano Donald Trump, que já declarou sua intenção de indicar juízes "pró-vida" (contra o aborto) para a Suprema Corte. O futuro vice-presidente dos EUA, Mike Pence, assinou em março uma lei que também exige funerais para fetos no Estado de Indiana, que ele governa. A lei foi derrubada por uma juíza federal.

    No Brasil, a situação é oposta - o aborto é ilegal, exceto em caso de estupro, risco de vida para a gestante e feto anencéfalo.

    Nesta semana, três dos cinco integrantes da Primeira Turma do STF entenderam que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não é crime. O entendimento não descriminaliza o aborto no país, porque vale apenas para um caso específico (da prisão de funcionários de uma clínica). Não é vinculante. Mas pode influenciar instâncias inferiores.

    No próximo dia 7, o plenário do Supremo julgará a possibilidade de aborto em casos em que mulher for infectada pelo vírus da zika.

    Essas duas decisões poderiam salvar muitas vidas.

    Todos os anos, cerca de 1 milhão de mulheres fazem abortos no Brasil (sem contar os espontâneos). Dessas, 250 mil acabam internadas por causa de complicações - normalmente as mulheres mais pobres, que recorrem a clínicas clandestinas sem condições mínimas ou métodos caseiros que põem em risco suas vidas.

    Mas presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já declarou que vai instalar uma comissão para rever a decisão do STF. Ao Estado de Minas, o líder do PV, deputado Evandro Gussi (SP), afirmou que a decisão do STF revoga o Código Penal. "Revogar o Código Penal, como foi feito, é verdade, num caso concreto, trata-se de um grande atentado ao Estado de direito. O aborto é um crime abominável porque ceifa a vida de um inocente", disse.

    Aqui e nos EUA, as vozes retrógradas estão cada vez mais fortalecidas.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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