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    Patrícia Campos Mello

    Viajando em tempos de Trump

    03/02/2017 02h00

    Mike Theiler - 29.jan.2017/Reuters
    Advogados oferecem auxílio gratuito em aeroporto dos EUA
    Advogados oferecem auxílio gratuito em aeroporto dos EUA

    Digamos que meu amigo é brasileiro e tem um nome bastante árabe. Ele trabalha como pesquisador em uma das melhores universidades dos EUA já há alguns anos.

    Depois de uma temporada no Brasil, meu amigo desembarcou no aeroporto de Nova York no dia 28 de janeiro –um dia após o presidente Donald Trump assinar o decreto que proíbe por 90 dias a entrada nos EUA de qualquer indivíduo de sete países de maioria muçulmana "com tendências de terrorismo" (Síria, Iraque, Irã, Iêmen, Líbia, Somália e Sudão) e que suspende por 120 dias a admissão de refugiados no país e por período indeterminado a entrada de cidadãos sírios.

    No guichê da imigração, entregou seu passaporte brasileiro e logo foi "convidado" a se dirigir a uma salinha.

    "Onde você nasceu?"

    "No Brasil."

    "Você tem outro passaporte?"

    "Não, só esse."

    "Vou perguntar de novo, acho que você não entendeu: você tem algum outro passaporte de algum outro país?"

    "Não. Nem nunca tive."

    "Mas você não é brasileiro, com esse nome", perguntava um de três agentes, todos com sobrenome hispânico.

    "Sou."

    "Mas seus pais não eram brasileiros..."

    "Eram, eles nasceram no Brasil..."

    "Mas seus avós?"

    "Ah, eles nasceram no Egito e foram para o Brasil anos atrás.."

    "Mas você tem certeza de que não tem outro passaporte?"

    Este é o estado das coisas nos EUA de Trump. Um brasileiro com passaporte brasileiro, que trabalha em uma universidade muito conceituada, com visto de pesquisador, precisa jurar de pés juntos que não tem outro passaporte de outro país (que nem está na lista dos 'vetados'), porque seu nome é árabe e sua aparência também.

    *

    No aeroporto de Washington, na fila para passar a bagagem de mão pelo raio-X, vejo uma família –pai, mãe e filha de uns 3 anos. Os pais levam passaportes do Paquistão.

    Depois da mala de mão passar pela máquina, o agente de segurança diz que tem que fazer uma verificação. Diante dos olhos do pai, da mãe e da filha, ele abre todos os recipientes que estão na mala.

    Cheira as mamadeiras e joga fora o que tinha dentro. Pega um vidro de xarope, enfia uma espátula, mexe e devolve para a mala.

    Enquanto isso, a menina brinca de tirar e por suas luvas cor de rosa. O pai e a mãe, entre resignados e humilhados, olham seus pertences serem eviscerados.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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