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    Patrícia Campos Mello

    A carne fraca e a vaca louca

    23/03/2017 08h00

    No dia 2 de fevereiro de 2001, o Canadá suspendeu a importação de carne bovina brasileira. A justificativa era que o Brasil não havia apresentado documentos comprovando que o rebanho nacional estava livre da doença da vaca louca, que atingia na época o Reino Unido e outros países europeus.

    Como parceiros no Nafta, o México e os Estados Unidos tiveram de se juntar ao Canadá e também baniram a carne brasileira.

    Mas o Brasil nunca tinha registrado um único caso da doença da vaca louca —e o embargo à carne brasileira era pura retaliação por causa da guerra comercial entre a brasileira Embraer e a canadense Bombardier.

    Brasil e Canadá se acusavam mutuamente de conceder subsídios ilegais a suas fabricantes de aviões. A briga se arrastava na Organização Mundial de Comércio.

    Como diz o velho ditado, quem não deve não teme.

    Sem nenhum indício ou prova de contaminação do rebanho brasileiro pela vaca louca, o Canadá retomou as compras de carne brasileira três semanas depois.

    Dezesseis anos mais tarde, a situação é diferente.

    Pode até ser que a enorme maioria dos frigoríficos brasileiros não tenha nenhum problema sanitário - são 21 sob suspeita na operação Carne Fraca, em um universo de mais de 5 mil. E também é verdade que o escarcéu da Polícia Federal irá prejudicar muitos exportadores idôneos.

    Mas santo, ninguém é. Com a revelação do esquema generalizado de propinas a fiscais sanitários, o Brasil se torna vulnerável a ataques comerciais.

    Tudo o que os importadores querem é uma desculpa para reduzir preços ou proteger seus produtores locais.

    Em abril de 2004, a China suspendeu a importação de soja brasileira após encontrar carregamentos contaminados por fungicidas. O embargo só foi levantado dois meses depois - e ajudou a China a regular seus estoques de soja.

    A operação Carne Fraca e a revelação dos esquemas envolvendo fiscais que deveriam zelar pela integridade de alimentos são um prato cheio para os concorrentes do Brasil.

    Cinco países interromperam o recebimento da carne bovina brasileira —Chile, China, Hong Kong, Egito e Argélia. Juntos, eles absorveram 55% das exportações do país no ano passado.

    Na guerra comercial, um bom pretexto vale ouro.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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