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    Patrícia Campos Mello

    Temer apela para chantagem; Trump dobra a aposta em sua ignorância

    19/05/2017 02h00

    Ao sul e ao norte das Américas, dois presidentes estão com a cabeça a prêmio.

    No Brasil, Michel Temer resolveu partir para a chantagem. "Ou vocês me seguram no cargo, ou o caos econômico vai se instalar". Esse poderia ser o resumo do pronunciamento do presidente na tarde desta quinta-feira pós-hecatombe.

    Evaristo Sá/AFP
    O presidente Michel Temer faz pronunciamento sobre gravação de dono da JBS em Brasília na quinta (18)
    O presidente Michel Temer faz pronunciamento sobre gravação de dono da JBS em Brasília na quinta (18)

    Dirigindo-se a sua base –i.e., o empresariado e o mercado financeiro— o presidente começou por descrever os 12 trabalhos de Temer: "Os indicadores de queda da inflação, os números de retorno ao crescimento da economia e os dados de geração de empregos, criaram esperança de dias melhores. O otimismo retornava e as reformas avançavam, no Congresso Nacional."

    E arrematou com uma ameaça: "...todo um imenso esforço de retirar o país de sua maior recessão pode se tornar inútil. E nós não podemos jogar no lixo da história tanto trabalho feito em prol do país."

    A parte em que ele dizia não ter feito nada ilícito e garantia que não vai renunciar era secundária. O lead, como dizemos em jornalismo, era mesmo a chantagem.

    O pronunciamento faz parte da síndrome "consigo me safar com qualquer coisa", verdadeira epidemia na classe política brasileira.

    Vítimas dessa síndrome têm certeza de que seus "eventuais" erros serão relevados ou ignorados, afinal, servem a um propósito maior.

    Essa síndrome leva a burradas do tipo pedir R$ 2 milhões para um empresário em pleno mês de março da temporada de caça da Lava Jato, sem achar que pode estar sendo gravado.

    Receber o dito empresário e conversar livremente por quase uma hora sobre toma-lá-da-cás e outros comportamentos pouco republicanos, sem cogitar que pode estar sendo gravado.

    Ao norte, onde o mandato do presidente Donald Trump também balança perigosamente, a síndrome é outra e já foi até descrita na academia, como aponta o colunista do "New York Times" David Brooks (longe de ser um "esquerdinha").

    Pessoas como Trump sofrem da síndrome de "ignorância é uma bênção", também chamada de "efeito Dunning-Kruger" —por serem incompetentes ou limitadas, superestimam sua capacidade e inteligência e julgam-se superiores. Com as pessoas muito capazes, acontece o oposto— elas superestimam a capacidade dos outros e se julgam inferiores.

    Trump subverte o paradoxo socrático "só sei que nada sei". Ele sabe mais que os generais sobre o Estado Islâmico, tem as melhores informações secretas sobre terrorismo e precisa se gabar disso para o ministro das Relações Exteriores russo, acha briefings de inteligência uma chatice porque já sabe tudo a respeito.

    Um sintoma comum é a necessidade de se auto-afirmar o tempo todo, inclusive repetindo, nas horas mais impróprias, que teve a maior vitória da história em colégio eleitoral (nesse caso, trata-se de mitomania, não de ignorância).

    Lá, como aqui, Trump apela para sua base. "Não fui eleito para servir à mídia de Washington ou a interesses escusos. Fui eleito para servir aos homens e mulheres esquecidos do nosso país, e é isso que estou fazendo."

    Mas para ser vir os "homens e mulheres esquecidos" da América, Trump precisa ter algum apoio da Câmara e do Senado republicanos, grife-se. No momento, muitos desses republicanos estão se esforçando como nunca para esquecer um presidente que só lhes traz problemas.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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