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    Patrícia Campos Mello

    A vitória do tribalismo tacanho de Trump

    ENVIADA ESPECIAL A ALEXANDRIA (VIRGÍNIA, EUA)

    02/06/2017 02h00

    Mike Theiler/Xinhua
    O presidente dos EUA, Donald Trump, discursa ao anunciar a saída do Acordo de Paris sobre o clima
    O presidente dos EUA, Donald Trump, discursa ao anunciar a saída do Acordo de Paris sobre o clima

    Multilateralismo, descanse em paz.

    Ao anunciar a retirada dos EUA do Acordo de Paris sobre o clima, o presidente Donald Trump afirmou estar disposto "a trabalhar imediatamente com os líderes democratas para (re)negociar nossa entrada no acordo de Paris sob termos que sejam justos para os EUA e seus trabalhadores ou negociar um novo acordo que proteja nosso país e nossos contribuintes".

    Só faltou combinar com os russos —neste caso, com os franceses, chineses, alemães e o resto do mundo.

    O presidente francês, Emmanuel Macron, rejeitou categoricamente a possibilidade de o acordo ser renegociado. "Digo a vocês de forma firme: nós não vamos renegociar o acordo para torná-lo menos ambicioso", disse o líder francês em comunicado televisionado. "Não existe plano B, porque não existe planeta B."

    Macron se juntou à chanceler alemã, Angela Merkel, e ao primeiro ministro italiano, Paolo Gentiloni, em um comunicado lamentando a decisão de Trump e dizendo, mais uma vez, que o tratado não pode ser renegociado.

    "Não se pode renegociar de forma individual. É um acordo multilateral, nenhum país sozinho pode mudar as regras de forma unilateral", disse Christiana Figueres, ex-funcionária da ONU que liderou as negociações do acordo.

    Assim como os Estados Unidos, o Reino Unido também achou que poderia "comer o seu bolo, mas continuar com ele", como se diz em inglês, no caso do "brexit".

    Mas uma vez comido, o bolo já era. O governo britânico queria se livrar dos "imigrantes incômodos" e das amarras das regras da UE, enquanto mantinha acesso livre e desimpedido ao mercado europeu.

    Merkel e Macron já deixaram claro que não vão ceder à ambição de May de negociar simultaneamente seu divórcio da UE e o acesso ao mercado europeu, e que o Reino Unido terá de acertar antes suas "contas" com Bruxelas.

    Tal como no caso do "brexit", os países engajados no acordo para lidar com as mudanças climáticas querem evitar o "risco moral": se a saída da UE ou do acordo do clima ficar muito fácil e barata, outros países terão incentivo para fazer o mesmo.

    Não se pode dizer que a decisão de Trump foi uma surpresa. O republicano passou a campanha inteira prometendo que ia sair do TPP, do Nafta e do Acordo de Paris (desses, só o Nafta sobreviveu, mas será revisto).

    E, na prática, Trump já tinha começado a desmantelar todas as regulamentações e medidas administrativas baixadas pelo ex-presidente Barack Obama para reduzir emissões de CO2, que ajudariam os EUA a cumprir os objetivos acordados em Paris.

    Mas ao romper o acordo, ainda que o processo vá demorar pelo menos até 2019 para ser concluído, Trump martela mais um prego no caixão do multilateralismo.

    Em artigo no "Wall Street Journal" após a viagem de Trump pelo Oriente Médio e Europa, Gary Cohn, principal assessor econômico da Casa Branca, e H.R. McMaster, assessor de segurança nacional, resumem à perfeição esse tribalismo tacanho defendido por Trump:

    "O presidente embarcou em sua primeira viagem internacional com uma visão clara de que o mundo não é uma comunidade global, mas sim uma arena onde nações, atores não governamentais e empresas se relacionam e competem em busca de vantagens. Nós trazemos para esse foro um poder militar, político, econômico, cultural e moral inigualável."

    Basicamente, o meu pai é maior que o seu, o carrinho é meu —se eu não quiser brincar, ninguém vai brincar.

    Essa mentalidade demagoga-tacanha vê em todos os acordos multilaterais uma conspiração diabólica para conter o mais forte —os EUA— e não uma maneira de juntar forças para lidar com problemas que afetam a todos.

    Ao se retirarem do acordo do clima, os EUA passam a mensagem que, para eles, todas as obrigações são negociáveis, e que eles podem se retirar a qualquer momento de tratados internacionais. Depois do TPP e do Acordo de Paris, quais serão os próximos? Os EUA vão pular fora da Organização Mundial de Comércio (OMC)? Da Otan?

    A ver se os chineses conseguem preencher o vácuo de liderança deixado pelo recuo dos EUA no cenário global.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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