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    Patrícia Campos Mello

    Arábia Saudita abre vários fronts na guerra contra o Irã

    17/11/2017 02h00

    O primeiro ministro do Líbano, Saad Hariri, deve pousar em Paris no sábado (18). Faz duas semanas que Hariri chocou o mundo ao renunciar ao cargo de primeiro-ministro em um pronunciamento na TV estatal saudita, gravado em Riad.

    Disse que sua vida estava em perigo e que o grupo armado xiita Hizbullah estava ameaçando a estabilidade do Líbano. Seu pai, o ex-primeiro ministro Rafik Hariri, foi assassinado em um ataque a bomba em 2005. Uma investigação da ONU apontou envolvimento de membros da milícia, ligada ao Irã (eles negam).

    Bandar al-Jaloud - 6.nov.2017/Palácio Real Saudita/AFP
    O primeiro-ministro do Líbano, Saad Hariri, se reúne com o rei Salman, da Arábia Saudita, em Riad
    O primeiro-ministro do Líbano, Saad Hariri, se reúne com o rei Salman, da Arábia Saudita, em Riad

    O presidente libanês, Michel Aoun, e várias autoridades estrangeiras afirmam que, na realidade, Hariri foi obrigado pela Arábia Saudita a renunciar (ele nega). Hariri teria sido recebido no aeroporto por autoridades sauditas, que confiscaram seu celular e o forçaram a anunciar sua renúncia na TV saudita.

    Especula-se que os sauditas estariam insatisfeitos com Hariri, que seria "conciliador demais" com o Hizbullah.

    O governo no Líbano, que passou por uma guerra civil entre 1975 e 1990, equilibra-se em uma divisão de poder —o presidente é sempre um cristão maronita, o primeiro-ministro, um muçulmano sunita, apoiado pela Arábia Saudita, e o líder do parlamento, um muçulmano xiita, ligado ao Hezbollah e, consequentemente, ao Irã. O presidente Aoun, cristão maronita, é aliado do Hizbullah.

    Na visão do impaciente príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, conhecido como MBS, o poder do Irã estaria se expandindo perigosamente no Líbano —e no resto do Oriente Médio. MBS gostaria que o irmão (e rival) de Saad, Bahaa, assumisse o cargo —ele é visto como mais linha-dura.

    "Se eu atraísse alguém para a minha casa, forçasse a pessoa a renunciar e a mantivesse como refém por 13 dias, com certeza a polícia ia me prender. A não ser, é claro, que eu fosse o príncipe herdeiro da Arábia Saudita. Aí eu seria chamado de reformista", tuitou Trita Parsi, presidente do Conselho Nacional Iraniano-Americano.

    Desde que assumiu como príncipe herdeiro, MBS vem tentando implementar reformas para tornar a economia saudita menos dependente do petróleo e liberalizar o reino, tirando poder dos clérigos conservadores —permitindo, por exemplo, que mulheres dirijam.

    Mas o príncipe, de apenas 32 anos, têm se mostrado autoritário e temerário. Ele mandou prender 11 príncipes sauditas e quase 200 pessoas da elite econômica do reino, em uma operação contra corrupção. Alguns eram, de fato, corruptos. Outros provavelmente eram apenas rivais de MBS ou se opunham à sua sanha reformista.

    MBS abriu vários fronts na guerra contra o Irã —no Qatar, no Iêmen e, agora, no Líbano.

    A percepção é que a influência do Irã vem se expandindo no oriente Médio. Na Síria, o conflito se estabilizou e, apesar de diversas previsões desde o início da guerra, em 2011, o ditador Bashar al-Assad, apoiado pelo Irã e pela Rússia, continua firme e forte no poder.

    O Hizbullah e os ataques aéreos russos garantiram a Assad uma quase certa "vitória" na guerra,. Embora não se saiba exatamente o que vai sobrar da Síria para Assad governar.

    O Iraque é governado pelo xiita Haider al-Abadi, muito próximo do Irã. Milícias xiitas foram determinantes para derrotar o Estado Islâmico em boa parte do país. No Iêmen, o Irã financia os rebeldes houthis, que tentam derrubar o governo, apoiado pela Arábia Saudita.

    A Arábia Saudita acusa o Irã de "crime de guerra" —o país teria fornecido aos houthis o míssil que eles lançaram contra o aeroporto de Riad (e que foi interceptado).

    Desenha-se um arco de influência iraniana que abarca o Líbano, Síria e Iraque, e se estendendo para o Iêmen.

    "Os iranianos é que estão agindo de forma agressiva. Nós estamos reagindo à agressão dos iranianos e dizendo: chega, não vamos mais deixar que vocês façam isso", disse o chanceler saudita, Adel al-Jubeir, nesta quinta-feira (16). Ele exige que o Hizbullah se desarme.

    Além das ações no Líbano, MBS escalou a ofensiva anti-iraniana no Qatar e Iêmen.

    Os sauditas, juntamente com os Emirados Árabes, Bahrein e Egito, impuseram um embargo contra o Qatar em junho, exigindo, entre outras coisas, que eles fechem a TV Al Jazeera e deixem de patrocinar grupos terroristas e de se aproximar do Irã. O resultado foi que, desde então, o Qatar se aproximou ainda mais do Irã.

    No Iêmen, os sauditas intensificaram os ataques aéreos contra rebeldes houthis, que causaram milhares de mortes de civis. Também impuseram um bloqueio que, segundo a ONU, condena milhões de iemenitas à morte por inanição.

    O bloqueio foi revisto em parte, e agora os sauditas estão permitindo entrega de ajuda humanitária, mas apenas através dos portos controlados pelo governo —insuficientes para chegar a todos os famintos.

    Em sua entrevista, Jubeir disse que a Arábia Saudita está consultando seus aliados para decidir qual "alavancagem" irá usar contra o Hizbullah para acabar com seu controle no Líbano e intervenções em outros países.

    O medo é que o Líbano se transforme no próximo palco de uma guerra por procuração entre Irã e Arabia Saudita.

    Mas, segundo Donald Trump, não há porque se preocupar.

    "Confio plenamente no rei Salman e no príncipe herdeiro Mohammed bin Salman da Arábia Saudita, eles sabem exatamente o que estão fazendo", tuitou o presidente americano, após MBS prender dúzias de pessoas no reino, acusadas de corrupção.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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