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    Patrícia Campos Mello

    Bill Clinton e Gloria Steinem, o assediador e a feminista, 20 anos depois

    24/11/2017 02h00

    Se um político defende os direitos das mulheres, mas, ao mesmo tempo, é acusado de assediar várias delas, as feministas devem pedir que ele renuncie? "Não, de jeito nenhum."

    Esse mesmo político foi acusado por uma funcionária pública de tê-la chamado para seu quarto de hotel, tentar beijá-la, "abaixar as calças e a cueca, expor seu pênis (que estava ereto)" e pedir que ela beijasse seu membro. E então, isso é assédio sexual? " Não. Ele é acusado de dar em cima de uma apoiadora de forma idiota e impulsiva. Mas ela o afastou e isso nunca mais aconteceu. Ou seja, ele aceitou não como resposta."

    Esse mesmo sujeito é acusado por uma voluntária de sua campanha de tê-la "beijado e bolinado" e colocado a mão dela na braguilha dele, no palácio presidencial. "Ele parece ter dado em cima dela de forma desajeitada, e depois aceitou a rejeição".

    A autora dessas frases em defesa de um acusado de assédio sexual é a feminista Gloria Steinem, uma das pioneiras do movimento feminista nos Estados Unidos, em uma coluna para a edição do "New York Times" de 22 de março de 1998. O acusado é o então presidente Bill Clinton.

    Gloria se recusa a comentar o assunto. Deve se arrepender dessa coluna. Clinton, nos dias de hoje, não teria terminado seu mandato.

    (Na época, a Câmara aprovou o impeachment de Clinton pelo crime de perjúrio, pois ele mentiu ao dizer que nunca havia tido relações sexuais com Monica Lewinsky, mas o Senado o absolveu. Se fosse hoje, o clima seria tal que dificilmente os senadores arcariam com o ônus político de absolvê-lo, independentemente do mérito das acusações de perjúrio ou assédio.)

    O espírito do tempo mudou. Vários expoentes da esquerda americana vieram a público nos últimos dias para dizer que erraram ao defender Clinton. A senadora democrata Kirsten Gillibrand disse que Clinton deveria ter renunciado por causa do caso que mantinha com Monica Lewinsky (que, vale dizer, sempre disse que era consensual).

    Nesses dias pós-Harvey Weinstein, Kevin Spacey, Al Franken, Charlie Rose, Glenn Thrush, Louis C.K. —não se tolera mais a teoria do "perguntar não ofende". Principalmente se a pergunta, ou abordagem, é bastante gráfica —como retirar seu pênis da calça.

    Mas a grande ironia é que essa primavera das mulheres americanas não está ocorrendo sob a égide da primeira presidente eleita nos EUA. Hillary Clinton foi derrotada no ano passado. Na Casa Branca, está instalado Donald Trump, aquele que se gabou de "agarrar" mulheres pelos genitais e já foi acusado de assédio diversas vezes.

    Será que é justamente por isso que as mulheres finalmente estão se manifestando, trata-se de uma reação contra o horror de ter um misógino na presidência? Será que finalmente caiu a ficha de que seu chefe dizer que você está "gostosa" não é inofensivo, é inaceitável, independentemente do tamanho da sua saia?

    Depende. Pesquisa da Quinnipiac University publicada nesta semana mostra que as lealdades partidárias (e a polarização insana) ainda prevalecem em muitos casos. E que, para muita gente, assédio sexual não é tão grave.

    Para 63% dos eleitores republicanos entrevistados, seria errado afastar Trump da presidência mesmo que PROVASSEM que as várias acusações de assédio sexual contra ele são verdadeiras.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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