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    Patrícia Campos Mello

    Educação amorosa e Escola Sem Partido

    01/12/2017 02h34

    Algumas escolas nos Estados Unidos estão incluindo "educação amorosa" no currículo. Muitos educadores chegaram à conclusão de que a geração Snapchat+Instagram até sabe como evitar filhos e se proteger de doenças sexualmente transmissíveis, mas não tem a mais remota de ideia de como se namora alguém.

    Segundo o Centers for Diseases Control (CDC), agência de proteção à saúde americana, quase 80% das escolas de ensino médio oferecem aulas de educação sexual —embora, em boa parte delas, isso se limite a ensinar a abstinência como única forma aceitável de contracepção.

    Leticia Moreira - 23.mai.2014/Reuters
    Livros sobre gênero e educação sexual usados em escola em São Paulo em 2014) ORG XMIT: XAC102
    Livros sobre gênero e educação sexual usados em escola em São Paulo em 2014

    Os alunos aprendem sobre gravidez na adolescência, masturbação, iniciação sexual, violência sexual. Na maioria das vezes, no entanto, ignoram completamente o significado de "relacionamento".

    Estão imersos na cultura de "ficadas" e sua comunicação se limita a emojis, vídeos, fotos e mensagens de texto. Contato pessoal, olho no olho, conversa —tudo isso pode causar constrangimento, e constrangimento é tudo o que eles não querem.

    Segundo Richard Weissbourd, director do programa de Desenvolvimento Humano e Psicologia da Universidade Harvard, muitos adolescentes não entendem, por exemplo, o que é um namoro saudável e o que é um relacionamento tóxico. Não diferenciam amor de paixão ou desejo sexual.

    A boa notícia é que esses jovens querem aprender mais sobre o que é namorar. Segundo pesquisa divulgada por Weissbourd em maio, 70% dos jovens entrevistados gostariam de ter recebido de seus pais mais informações sobre aspectos emocionais dos relacionamentos, e 65% gostariam de ter aprendido na escola.

    A professora Kerry Cronin, do Boston College, foi mais longe. Ao longo dos anos, notou que os alunos são absolutamente inaptos socialmente quando se refere a relacionamentos amorosos, por isso a maioria só "fica", e não "sai" ou "namora".

    Na cultura do "hookup", como "ficar" é chamado nos EUA, não há nenhum compromisso e a "ficada" não deve gerar nenhuma expectativa.

    "É uma interação sexual ou física sem nenhum conteúdo emocional aparente e não há expectativa de continuação", explica. Entre seus alunos, 7 de cada 8 só ficavam, sem compromisso.

    Pensando nisso, Cronin introduziu uma atividade em seu curso introdutório de Filosofia. Para serem aprovados no curso, os alunos precisam convidar alguém para sair. Tem que ser pessoalmente, não vale mandar mensagem de texto. O aluno precisa estar interessado "romanticamente" na pessoa, a "saída" ou "date", tem que durar entre 60 e 90 minutos e ser durante o dia.

    "A ideia é encarar o constrangimento e descobrir que, mesmo se você for rejeitado, não é o fim do mundo. Essa geração tem pânico de fracasso. Resiliência é uma questão importante", disse Cronin em entrevista ao jornal da universidade.

    *

    No Brasil, onde movimentos como o Escola sem Partido tentam vetar temas como orientação sexual das salas de aulas e apenas a minoria das escolas oferece algum tipo de informação sobre o assunto, imagine a dificuldade de emplacar "educação amorosa" no currículo.

    patrícia campos mello

    Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA e escreve sobre política e economia internacional. Escreve às sextas-feiras.

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