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    Paula Cesarino Costa - Ombudsman

    Com o jornal na mão

    12/06/2016 02h18

    Editoria de Arte/Folhapress

    A página com 56 cm de altura por 31,7 cm de largura é do tempo em que os jornais chegavam às casas para preencher lacunas de informação.

    O visor do meu celular tem 10,5 cm por 6 cm. Hoje, as notícias chegam à mão a todo minuto. Essa diferença dá a dimensão do desafio que jornais do mundo todo enfrentam agora.

    O futuro imediato exige que os jornais inteligentes se enquadrem aos visores dos telefones inteligentes.

    Como levar jornalismo de qualidade para um espaço físico menor, sem apequená-lo? As respostas à redução de tiragem impressa e de receitas publicitárias variam de jornal a jornal, de país a país.

    Dois dos principais jornais globais, o diário americano "The New York Times" e o espanhol "El País", anunciaram recentemente que suas operações passam a priorizar as versões digitais.

    Nas palavras do diretor Antonio Caño, "El País" vai se converter em "um jornal essencialmente digital; em uma grande plataforma geradora de conteúdos que distribuirá, entre outros, o melhor jornal impresso da Espanha".

    A Folha acompanha de perto os hábitos de seus leitores, e isso se reflete em sua estratégia digital, disse o editor-executivo, Sérgio Dávila, quando pedi que comentasse esse cenário. Ele acredita que a multiplicidade de plataformas para acesso ao jornal deve perdurar por muito tempo ainda e que outras novas podem até surgir.

    "O mais importante é produzir conteúdo de qualidade em qualquer plataforma a nosso alcance. Dito isso, vale lembrar que o produto impresso responde pela maior fatia do faturamento publicitário que sustenta o jornalismo independente praticado pela Folha." No jornal "El País", a publicidade digital já atinge 40% da receita.

    A audiência digital da Folha é a maior da história e a maior dos sites de jornais brasileiros, afirma Dávila. "Os números mais específicos são considerados estratégicos, mas se pode dizer que hoje os assinantes são divididos em cerca de 55% no impresso e 45% no digital."

    Metade dos leitores digitais acessam o jornal via celular e tablets. A Folha segue como o maior jornal impresso brasileiro, com circulação total em torno de 300 mil. Está claro que a manutenção da liderança necessita de novas estratégias.

    Plataforma digital, antes, foi sinônimo de computadores de mesa ou portáteis. Até pouco tempo, pensava-se também em tablets. Hoje significa acesso às notícias por celulares.

    Smartphones já superaram computadores como a principal forma de acesso à internet nos lares brasileiros, informou o IBGE. A proporção de casas com acesso à internet por celular saltou de 53,6% para 80,4%, na comparação de 2013 com 2014.

    O jornal está preparado editorial e tecnologicamente para a mudança?

    A ombudsman passou alguns dias acompanhando a Folha via celular. É uma experiência estranha, difícil, instigante, desgastante e, por vezes, frustrante. É uma versão que claramente precisa de muito investimento tecnológico e discussão editorial.

    Algumas observações pontuais: há poucas opções de entrada no aplicativo, o que resulta muitas vezes em diversidade restrita de temas. Em geral, na tela inicial, há apenas um título e uma foto. A navegabilidade é lenta e monótona. Há ainda problemas técnicos frequentes, como atualizações de notícias que não entram.

    Em vários momentos, assuntos que me interessavam não estavam facilmente visíveis. Certa ocasião, o leitor que acessou a Folha pelo celular antes de sair de casa, no começo da manhã, não foi alertado de que poderia enfrentar problemas por causa de uma paralisação de ônibus e da chuva. Os vídeos são escassos.

    Identifiquei ainda problema de falta de transparência, que não é exclusivo do "mobile", quando o leitor se depara com uma lista de assuntos "recomendados", sem se dar conta de que se trata de ação comercial, não de indicação editorial da Folha.

    O jornal vive dividido entre dois mundos: o do leitor tradicional e fiel, mais velho, que lê basicamente a versão impressa; e o do leitor que está no digital, que tem perfil muito diferente do outro. É mais jovem e mais diversificado em interesses, formação escolar e rendimentos. É um jornal só, mas feito para dois públicos que exigem linguagens diferentes e nenhum pode ser desprezado.

    Dávila reconhece que o novo jornalismo digital depende de investimento em tecnologia. "A avaliação do jornal é que, embora estejamos à frente em diversos aspectos, ainda há muito a evoluir", afirma.

    Estudo divulgado pelo Poynter Institute concluiu que a maioria das notícias que encontramos no telefone celular ainda são adaptações de outros modelos. Foram pensadas para o papel ou para computadores de mesa em meios de comunicação de origem impressa. A experiência jornalística é originalmente pensada para o papel, adaptada para a tela de computador e readaptada para o celular.

    A maior parte do jornalismo está ainda na contramão dos novos leitores, criados em um mundo que podem carregar na palma da mão.

    paula cesarino costa

    Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.

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