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    Paula Cesarino Costa - Ombudsman

    Frente ao desafio das eleições, jornal enfrentará 'paradoxo da pluralidade'

    28/08/2016 02h00

    A mais curta campanha eleitoral desde a redemocratização começou de fato na semana passada com a divulgação das primeiras pesquisas de intenção de voto com os candidatos registrados e a veiculação dos programas eleitorais no horário obrigatório do rádio e da televisão.

    Com os desdobramentos esperados do impeachment de Dilma Rousseff, a eleição de 2016 tende a acirrar novamente os ânimos de (e)leitores, transferindo para o nível municipal a disputa efervescente da campanha presidencial de 2014.

    O clima de polarização entre tucanos e petistas, direitistas e esquerdistas ou pró e contra impeachment transbordou para os jornais.

    Editoria de Arte/Folhapress
    Ilustração de Lydia Megumi coluna ombudsman 28/08

    A múltipla oferta de conteúdo permitida pelas novas tecnologias trouxe uma proliferação de sites supostamente noticiosos, além de postagens e páginas tendenciosas, muitas das quais criadas e manipuladas por grupos políticos ou serviços contratados por estes.

    Esse ambiente belicoso ajuda a despertar em parte expressiva dos (e)leitores o desejo de que o mundo, e, consequentemente, os jornais, se limite às suas crenças e convicções, como se o diferente e o antagônico não compusessem ou não devessem compor uma sociedade democrática.

    O jornalismo que a Folha se propõe exercer, consolidado nos últimos 30 anos sob o lema de crítico, apartidário e pluralista, parece hoje menos compreendido e mais desafiado. Reza o Manual da Redação que "todas as tendências ideológicas expressivas da sociedade devem estar representadas no jornal".

    Historicamente, grupos políticos se manifestam, de um lado ou de outro do espectro, em desacordo com as posições da Folha.

    Ao longo das décadas, o jornal procurou e obteve relativo sucesso em manter-se equidistante dos agrupamentos no poder, sem abrir mão dos valores jornalísticos que tornaram a Folha o que é.

    Leitores, no entanto, têm questionado com frequência a ombudsman sobre a forma como o jornal exerce seu pluralismo. O leitor Luiz Groff opinou: "Ao colocar em suas páginas vários políticos da direita à esquerda e militantes de diferentes ideologias e sexualidades, a Folha abriu mão do seu principal atributo, a análise crítica simétrica."

    Alguns veem exagero na dose de pluralismo; outros, mais extremados, apontam capitulação. O leitor Carlos Eduardo Gomes acusou a Folha de exercer um "falso pluralismo" ao abrir espaço para colunista com pensamento contrário ao seu.

    Nas últimas semanas, leitores têm intensificado críticas, mais do que ao próprio noticiário, às páginas de opinião do jornal, aquelas que deveriam ser o porto seguro da diversidade de pensamento.

    Da escolha de colunistas da página 2 a artigos publicados na seção Tendências/Debates, passando pelas charges, muitos leitores demonstram não estar dispostos a aceitar que "seu" jornal traga vozes divergentes da sua ou com posicionamentos que desaprove.

    Este não é, entretanto, um fenômeno estritamente brasileiro tanto na crítica ao jornalismo quanto na polarização política.

    Pesquisa divulgada na semana passada pelo Poynter Institute, centro de estudos de jornalismo norte-americano, mostrou como o consumo de relatos políticos opinativos ou tendenciosos afeta a relação dos leitores com órgãos de mídia por meio dos quais deveriam se informar sobre os acontecimentos.

    Os pesquisadores relataram ter evidências persuasivas de que o consumo de sites com notícias tendenciosas promove crenças imprecisas.

    Afirmam que o consumidor desse tipo de mídia acaba incentivado a acreditar em informações distorcidas ou imprecisas, independentemente das evidências a que tiveram acesso.

    Constatam também que a exposição ao que chamam de mídia ideológica estimula mal-entendidos e aumenta a desconfiança sobre relatos que lhe desagradam.

    "É lamentável que as pessoas pareçam querer ler e ouvir aquilo em que elas já acreditam. Quanto mais se movem em direção aos extremos, mais isso acontece.

    Por essa razão, o desejo de uma cobertura justa e neutra é menor, e isso prejudica o jornalismo", resumiu com perfeição Margaret Sullivan, ex-defensora dos leitores do "New York Times".

    Jornalismo não é uma ciência exata, mas jornalistas e leitores têm elementos factuais dos quais não podem se afastar.

    Primeiro, opinião é opinião e assim deve vir embalada. Um jornal plural deve se esforçar para refletir pontos de vista vários, contraditórios mesmo, em suas páginas de opinião.

    Outra coisa são os valores informativos que devem embasar a produção do noticiário. Em tempos de redes sociais combativas, o jornalismo torna-se necessário e relevante quanto mais exercer seu papel investigador e analítico de fatos acurados e precisos.

    Uma cobertura justa e neutra passa a ser ponto de qualificação e garantia de permanência. A longo prazo, os leitores reconhecerão tal esforço.

    paula cesarino costa

    Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.

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