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    Paula Cesarino Costa - Ombudsman

    Direito de criticar e de reclamar

    16/10/2016 02h12

    Tirinha de André Dahmer publicada em 12.out foi criticada pelos leitores, que a consideraram ofensiva
    Tirinha de André Dahmer publicada em 12.out foi criticada pelos leitores, que a consideraram ofensiva

    "Temos de desenterrar e encontrar as evidências, sermos justos na apuração e fiéis à verdade que revelamos. Mas, ao final, temos de chegar a uma conclusão, e essa conclusão, nestes tempos, tem de ser apresentada de forma mais explícita. Os jornais precisam ter uma posição editorial mais clara com relação a cada cobertura que fazem."

    MARTIN BARON, editor do jornal "The Washington Post"

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    Como estímulo para repensar o jornalismo, destaquei na crítica interna que circula na Redação a proposta de reformulação defendida por Martin Baron, do "Washington Post", em entrevista à Folha. Quis chamar a atenção para um dos temas relevantes na tão necessária revitalização do fazer jornalístico.

    Trata-se de discutir ao mesmo tempo a questão da isenção e do equilíbrio que se exige de uma cobertura e os novos hábitos do consumo de notícias que pedem que os jornais sejam mais incisivos e transparentes em suas posições.

    Na semana que passou, a maior parte das mensagens dos leitores se concentrou na polêmica estabelecida a partir da publicação do artigo "Desvendando Moro", de autoria do físico e professor universitário Rogério Cezar de Cerqueira Leite, membro do Conselho Editorial da Folha.

    A peça opinativa gerou uma carta de protesto do juiz Sergio Moro, publicada no Painel do Leitor, contra o artigo e contra o jornal.

    Em seu artigo, Cerqueira Leite comparou Moro a Girolamo Savonarola, frade dominicano moralista, obcecado no combate contra a corrupção. "Savonarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira", escreveu o professor.

    A reação de Moro, em sua carta, centrou-se mais na Folha do que nos argumentos esgrimidos por Cerqueira Leite. Queixou-se de que o articulista fez "equiparações inapropriadas", tendo chegado a "sugerir atos de violência contra o magistrado". "(...) A publicação de opiniões panfletárias-partidárias e que veiculam somente preconceito e rancor, sem qualquer base factual, deveria ser evitada por jornais com a tradição e a história da Folha."

    Também em carta, o físico voltou a acusar o juiz de parcialidade e disse que o "fogo" era uma metáfora.

    A maioria dos leitores que escreveu à ombudsman e ao Painel do Leitor defendeu Moro. Além de criticar Cerqueira Leite, cobraram da Folha o porquê da publicação.

    O jornal informou que artigos não refletem necessariamente sua opinião. Leitores replicaram: "Duvido que se [ele] não fosse do Conselho Editorial, a Folha teria publicado artigo tão vazio, raso e infantil", provocou Clodomiro Vergueiro Porto Filho. "Esse tipo de publicação empobrece o jornal e só provoca as piores impressões", disse Edgar Costa.

    De outro lado, houve quem visse a defesa da censura prévia na posição de Moro. "Lamentar que se conceda espaço à publicação de artigo que não lhe agradou parece-me uma abominável tentativa de censura prévia", afirmou Fabrizio Wrolli.

    O editor-executivo Sérgio Dávila esclareceu que os postulados gerais do projeto editorial da Folha contam com a aprovação de seu Conselho Editorial, mas assuntos específicos nem sequer são submetidos à instância, que tem caráter consultivo, não deliberativo.

    O editor-adjunto de "Opinião", Marco Rodrigo Almeida, considera que Cerqueira Leite é nome de prestígio na ciência e, no debate político, verbaliza a opinião de parcela da sociedade. Avalia que o artigo atende ao princípio de pluralidade.

    A meu ver, a Folha acertou em publicar o artigo, em nome da pluralidade, mas talvez tenha falhado em não propor que o autor evitasse formulações que poderiam ser entendidas como estímulo à violência. É certo que o jornal tem responsabilidade pela qualidade do que seleciona para publicar, mas Moro erra ao querer a recusa pura e simples do texto em razão de seu conteúdo.

    Os temas referentes à Lava Jato tornam-se cada vez mais inflamáveis. Sobriedade e equilíbrio são essenciais para sermos justos na apuração e fiéis à verdade, como defendeu Martin Baron.

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    Mais pluralismo e menos burrice

    "Reza o 'Manual da Redação' que 'todas as tendências ideológicas expressivas da sociedade devem estar representadas no jornal'. Pena que isso nunca se aplique aos chargistas", reclamou o leitor Jeferson Araujo Pereira. Não é voz solitária.

    É frequente a crítica de que falta diversidade nas charges da Folha. "São todas de esquerda", "a favor de Lula e Dilma", dizem.

    O jornal reconhece e informa que "trabalha atualmente no sentido de corrigir desequilíbrios".

    Na sexta (14), uma tira de André Dahmer despertou a reação de leitores. "Ultrapassou o limite do aceitável, ao ofender os paulistanos e leitores, nos chamando de 'burros' porque a imensa maioria não votou no candidato dele. É uma tirinha de humor sem graça, mal-humorada, além de não ser nada criativa", criticou Luiz Augusto Pereira Alves.

    Para o leitor Elvio Bombardi, foi uma tira infeliz, vinda de alguém que "usa espaço de grande repercussão como a Folha para demonstrar sua revolta pessoal".

    Dahmer diz entender a indignação. "Burrice é uma palavra forte, mas fiz isso porque é difícil entender como o povo de São Paulo elege um governo de rico para ricos."

    "A Folha respeita a opinião de seus quadrinistas, chargistas e cartunistas, embora nem sempre concorde com ela", afirma o secretário de Redação Roberto Dias.

    paula cesarino costa

    Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.

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