• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 19:14:08 -03
    Paula Cesarino Costa - Ombudsman

    Aos leitores, gratidão

    25/12/2016 02h00

    "A normalidade é o desconforto para o jornalista", escreveu o norte-americano Gay Talese.

    Se há muitos que se queixam de 2016, poucos são os jornalistas a compartilhar desse sentimento de insegurança trazido pela excepcionalidade que marcou o ano prestes a se encerrar. Como definiu uma ex-ombudsman, fazer jornalismo é apurar, escrever e editar sob tiroteio constante, sem tempo para respirar quanto mais para suspirar. E, no dia seguinte, tem de novo.

    Assumi o mandato de ombudsman em abril, logo após o início do processo que resultaria no afastamento da presidente Dilma Rousseff.

    Mal completei um mês no cargo, foram revelados áudios de ministro do então presidente interino, Michel Temer, que mencionava um pacto para deter a operação Lava Jato. O ministro caiu e outros seis se seguiriam a ele. Em junho, delatores de empreiteiras envolveram caciques petistas e tucanos, além do próprio Temer.

    Em seguida, o terror atacou inocentes na França, Bélgica, EUA e Alemanha. O Reino Unido aprovou sua saída da União Europeia.

    Em agosto, a Olimpíada do Rio foi uma pausa acelerada de tantas atrações a acompanhar em tão pouco tempo, com o perdão pela contradição óbvia. No mês seguinte, a terra voltou a tremer com o afastamento e a cassação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

    Em outubro, as eleições mostraram que o eleitor estava em busca de novidades que o ajudassem a se esquecer dos políticos ditos tradicionais, como se todos não o fossem. Essas supostas novidades brotaram em São Paulo, no Rio e até nos EUA, com a surpreendente vitória de Donald Trump. O Brasil atingiu o fundo do poço dos indicadores econômicos.

    Enfim, chegou dezembro e, como na manchete satírica, quando menos se espera já é Natal e Ano Novo.

    Ficou claro que 2016 foi um ano espetacular para a prática do jornalismo, para mostrar por que ele é e sempre será tão necessário às pessoas, à sociedade, ao mundo.

    Tentei refletir aqui a voz do leitor, defender seus interesses e, principalmente, exercendo um papel de crítica saudável, colaborar para o fortalecimento da Folha como instituição de excelência em jornalismo.

    Reforcei coro com os leitores quando o jornal desequilibrou algumas coberturas, falhou tecnicamente em outras e, por vezes, deixou a soberba estar à frente do interesse daquele que lhe dá mandato para circular diariamente.

    Leitores se decepcionaram com a eliminação de cadernos e a redução de espaço editorial da Folha. Tal redução gerou reclamações de que houve menor oferta e menor qualidade de artigos jornalísticos, analíticos e opinativos.

    Editorias foram fundidas; postos de trabalhos, cortados. A Folha reduziu ao mínimo a Sucursal do Rio, numa decisão administrativa com consequências ainda maiores por vir.

    A partir de conversa com leitores, foi possível enumerar pontos que foram alvo de reclamações: parcialidade e falta de isenção, resistência a reconhecer erros, textos com qualidade a desejar, ausência de investimento no jornalismo investigativo.

    Os colunistas são um dos principais ativos da Folha, mas também a origem de críticas duras e apaixonadas. Há quem considere que o excesso de colunistas transmite a impressão de que o jornal tem abrigado nomes que não estão à altura de sua tradição, seja por falta de experiência, representação ou de qualidade de produção intelectual.

    Um leitor disse que a Folha não precisa de colunistas polêmicos, e sim lúcidos. Outro afirmou que a pluralidade radical, se não é instrutiva, pode ser ao menos divertida.

    O jornalismo está em fase de acelerada transformação. A crise econômica não ajuda quando se vive uma crise de paradigma. Mas é esse o cenário e será assim que os jornais brasileiros terão de se reinventar.

    Dada a comparação com o turbulento ano de 2016, talvez 2017 seja mais tranquilo. A Folha deveria aproveitar para investir tempo e energia numa melhor cobertura da normalidade. É no dia a dia que se faz um grande jornal.

    Vale registrar que considero a Folha o melhor jornal do país. Espero colaborar com sua defesa deste posto, para a qual autocrítica e transparência são fundamentais.

    Farei um pequeno recesso nas próximas semanas. Volto a este espaço em 8 de janeiro.

    Encerro, repetindo o poeta Carlos Drummond de Andrade: "aos leitores, gratidão, essa palavra-tudo".

    paula cesarino costa

    Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024