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    Paula Cesarino Costa - Ombudsman

    Muito além do Fachin

    16/04/2017 02h00

    Com impacto maior do que a mãe de todas as bombas lançada pelos EUA no Afeganistão na quinta-feira, 13, a divulgação da lista de inquéritos de investigados na operação Lava Jato, autorizados pelo STF, devastou o sistema político brasileiro.

    A profundidade e a abrangência das investigações não têm paralelo. Para os jornalistas, o desafio é imenso; as dificuldades são muitas.

    Os arquivos que sustentam os 76 inquéritos abertos por determinação do Supremo Tribunal Federal têm 400 gigabytes -espaço suficiente para arquivar as obras completas de Dostoiévski e Shakespeare, para citar autores célebres ao abordar crime, castigo, vilania e poder.

    Serão investigados oito ministros, 24 senadores, 39 deputados federais, três governadores, dois prefeitos e um ministro do TCU. Há dezenas de encaminhamentos para apreciação de instâncias inferiores que citam mais nove governadores, cinco ex-presidentes e outros políticos sem mandato. A bomba atinge 16 partidos em 20 estados e no DF.

    A queda do sigilo dos depoimentos dos delatores, determinada pelo ministro Edson Fachin, reforça minha convicção de que o vazamento seletivo de dados dos pedidos de inquéritos da Procuradoria-Geral da República, em que apareceram só 16 nomes, não fazia sentido.

    O jornal "O Estado de S. Paulo" obteve os documentos completos antes dos concorrentes. Publicou no site, a partir das 16h de terça, sequência de textos destrinchando a "delação do fim do mundo".

    Todos os outros jornais tiveram de correr atrás. Se na versão digital de 11 de abril foi impossível alcançar o concorrente, nas versões impressas dos dias 12, 13 e 14 a Folha conseguiu publicar boas edições.

    Tanta informação para digerir em tão pouco tempo requer atenção redobrada. O perigo está nos detalhes.

    Um leitor-advogado considerou "erro grosseiro" da imprensa chamar de lista de Fachin o que na verdade seria a lista do Janot. Afinal, o procurador-geral elaborou a lista de investigados, tendo o ministro do STF autorizado os inquéritos por concordar que havia indícios de crimes a serem apurados.

    Com a suspensão do sigilo, as relações espúrias entre políticos e empresários emergiram. Empresas repartem dinheiro de origem ilegal com políticos. Em troca, asseguram vitórias em licitações, superfaturamento de obras e favorecimentos, por meio de leis e medidas provisórias. Governantes, servidores e parlamentares recebem propinas e doações ilegais, no Brasil ou no exterior, dinheiro com o qual enriquecem, reelegem-se e destroçam o sistema de representação política.

    Patriarca da maior empreiteira, Emílio Odebrecht é o retrato assumido da elite empresarial que corrompe o país há décadas, como fez questão de enfatizar. Em depoimento, acusou a imprensa de silêncio desinteressado e de agora fazer demagogia como se houvesse surpresa.

    "A imprensa toda sabia de que efetivamente o que acontecia era isso. Por que agora estão fazendo tudo isso? Por que não fizeram isso há 10,15, 20 anos atrás? Porque tudo isso é feito há 30 anos."

    Certa desfaçatez de Emílio transparece nessa frase. A Odebrecht foi a empresa que mais investiu ao criar aparato tecnológico que azeitava a máquina subterrânea de corrupção. Por mais que se desconfiasse da existência de relações não republicanas, era inimaginável sua dimensão e profissionalismo.

    Repetem-se aos milhares os casos em que a imprensa investigou e comprovou irregularidade em obras públicas. Basta buscar os arquivos.

    A Direção da Folha avalia que, nas últimas três décadas, publicou tudo o que podia comprovar sobre as relações indevidas entre políticos, empreiteiras e obras públicas. "Há a denúncia sobre a fraude na concorrência da Ferrovia Norte-Sul, publicada no jornal pelo colunista Janio de Freitas em 1987, portanto há 30 anos, que envolvia as principais empreiteiras do Brasil, entre elas a então chamada Norberto Odebrecht.

    Outra, mostrava que o jornalista Ricardo Feltrin teve acesso antecipado aos nomes que seriam escolhidos em licitação do Metrô de São Paulo em 2010. De novo, a Odebrecht estava no consórcio vencedor", exemplificou o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila.

    Afirmou ainda considerar que "seria irresponsável publicar fato que é 'do conhecimento implícito ou explícito' de todos, como afirmou Emilio Odebrecht, sem que haja evidências que o sustentem".

    A sofisticação do mecanismo da corrupção revelada agora sinaliza quão difícil era detectá-la. Não vejo mecanismos eficientes, abrangentes e legais que permitissem que a imprensa puxasse o fio da meada.

    Com o rolo exposto, cabe aos jornais qualificar o acompanhamento da tramitação de medidas provisórias e projetos de lei, revisitar as licitações citadas, investigar a evolução patrimonial dos envolvidos. O desafio será ampliar o escopo. É inocência imaginar que esses esquemas se restrinjam a empreiteiras.

    Se há um mea culpa a fazer, é reconhecer que o aparato da corrupção está muito além das ferramentas da imprensa para investigá-lo.

    paula cesarino costa

    Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.

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