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    Paula Cesarino Costa - Ombudsman

    Um passo atrás da dama cinzenta da mídia

    04/06/2017 02h00

    Ramin Talaie/AFP
    Vista da fachada do prédio do jornal The New York Times, em Nova York (EUA). *** NEW YORK - APRIL 21: A man speaks on his mobile phone across from The New York Times headquarters building April 21, 2011 in New York City. The New York Times profits fell 58 percent in the first quarter of 2011. Ramin Talaie/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==LEGENDA DO JORNALFachada da sede do ‘New York Times’, jornal que adota sistema de cobrança digital
    Vista da fachada do prédio do jornal "The New York Times", em Nova York (EUA)

    Aconteceu no "New York Times". O cargo de "public editor", equivalente ao de ombudsman, foi extinto. A direção do jornal considerou que ele não é mais necessário. Interpreta que a função pode ser substituída por triagens de mensagens de leitores e pelo monitoramento de comentários nas redes sociais.

    "Nossos seguidores na mídia social e nossos leitores na internet constituem, juntos, uma forma moderna de fiscalização, mais vigilante e mais poderosa do que uma pessoa trabalhando sozinha jamais poderia ser. Nossa responsabilidade é aumentar o poder de todos esses fiscalizadores e ouvi-los, em lugar de canalizar suas vozes por meio de um único posto", justificou Arthur Sulzberger Jr., publisher do "NYT".

    A decisão da semana passada desencadeou um intenso debate sobre o valor de uma função que só foi abraçada pelo jornal em 2003, com o desgaste e o temor de perda de credibilidade após o escândalo Jayson Blair, repórter que ascendeu na casa com a publicação de entrevistas inventadas e notícias falsas.

    "A posição do editor público, criada após grave escândalo jornalístico, desempenhou um papel crucial na reconstrução da confiança de nossos leitores, agindo como o cão de guarda da casa. Acolhemos suas críticas, mesmo quando nos agulhava. Mas hoje os nossos seguidores em redes sociais e nossos leitores em toda a internet se uniram para atuar coletivamente como um cão de guarda moderno, mais vigilantes e fortes do que uma pessoa poderia ser", escreveu Sulzberger.

    As reações foram imediatas e negativas. A decisão e a justificava, pífia, foi condenada por críticos de mídia e jornalistas que cobrem o setor.

    Alguns chamaram de risivelmente infantil o pensamento de que seguidores nas redes sociais e contribuintes das seções de comentários possam exercer tecnicamente a vigilância proposta pelo publisher.

    Na última coluna, Liz Spayd, a ombudsman do "NYT", registrou a reação ruim dos leitores, que reclamam a existência de alguém com autoridade, perspectiva privilegiada e capacidade de exigir dos editores respostas e explicações.

    Ela lançou dúvida sobre os líderes do "NYT" estarem mesmo buscando um novo modelo ou, apenas, estarem cansados de ter a sabedoria do santuário interno desafiada.

    Na minha visão, o "NYT", conhecido por detratores de sua arrogância como "The Old Grey Lady (a velha dama cinzenta), caiu do salto. Tratou a função como se fosse um SAC (serviço de atendimento ao cliente). É muito mais do que isso.

    Em geral, o ombudsman é jornalista experiente e independente, com bagagem e ferramentas suficientes para oferecer nuances e perspectivas diferentes à Redação, propiciando um ambiente de saudável autocrítica, mais do que necessário em tempos de polarização da sociedade como vivem os EUA e o Brasil.

    Na sexta-feira, para dividir minha perplexidade, entrei em contato com ombudsmans do jornal inglês "The Guardian" e do espanhol "El País" e também com a crítica de mídia do "Washington Post". Dividiram comigo a surpresa com a demissão da colega e avaliaram o fato como danoso ao ambiente jornalístico.

    Margaret Sullivan, antecessora de Liz Spayd e hoje colunista de mídia do "Washington Post", disse-me que o "public editor" era capaz de fazer cumprir a pressão por acuidade da informação de modo que comentaristas e críticos de fora da Redação não podem fazê-lo.

    Ele está em posição privilegiada para obter respostas dos líderes da organização e insistir na prestação de contas, afirmou no Twitter. "Eu senti, ao exercer o cargo por quase quatro anos, que cumpri uma demanda objetiva e importante para os leitores e para o próprio 'Times'".

    Para Paul Chadwick, do "Guardian", o jornalismo que é examinado com a mesma minúcia com que examina outros poderes e instituições é mais forte e confiável. "Nestes tempos desafiadores para o jornalismo, o papel do ombudsman precisa se adaptar, mas continua relevante."

    A defensora dos leitores do "El País", Lola Galán, teme que haja um efeito dominó em outras organizações de imprensa. "Dada a importância e a repercussão do 'NYT', a dispensa do ombudsman pode ter consequências e levar outras empresas a tomar a mesma decisão."

    O leitor Jeferson Araújo Pereira pareceu desmontar a justificativa oficial do "NYT": "Os leitores não podem substituir o trabalho realizado pela ombudsman, por um motivo bem simples: eles não são jornalistas. A maioria dos leitores é 'achista'. Achismo é bem diferente de jornalismo. Espero que essa decisão (errada e ridícula) do 'NYT' não influencie a Folha. Não consigo imaginar a Folha sem a presença de um ombudsman", escreveu.

    Com a palavra, o editor-executivo Sérgio Dávila: "A Folha não tem planos de acabar com o cargo de ombudsman. É uma das marcas do jornal e parte importante de seu Projeto Editorial. Avaliada a distância, a decisão do 'New York Times' parece equivocada".

    paula cesarino costa

    Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.

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