Ramin Talaie/AFP | ||
Vista da fachada do prédio do jornal "The New York Times", em Nova York (EUA) |
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Thursday, 02-May-2024 18:05:16 -03Paula Cesarino Costa - Ombudsman
Um passo atrás da dama cinzenta da mídia
04/06/2017 02h00
Aconteceu no "New York Times". O cargo de "public editor", equivalente ao de ombudsman, foi extinto. A direção do jornal considerou que ele não é mais necessário. Interpreta que a função pode ser substituída por triagens de mensagens de leitores e pelo monitoramento de comentários nas redes sociais.
"Nossos seguidores na mídia social e nossos leitores na internet constituem, juntos, uma forma moderna de fiscalização, mais vigilante e mais poderosa do que uma pessoa trabalhando sozinha jamais poderia ser. Nossa responsabilidade é aumentar o poder de todos esses fiscalizadores e ouvi-los, em lugar de canalizar suas vozes por meio de um único posto", justificou Arthur Sulzberger Jr., publisher do "NYT".
A decisão da semana passada desencadeou um intenso debate sobre o valor de uma função que só foi abraçada pelo jornal em 2003, com o desgaste e o temor de perda de credibilidade após o escândalo Jayson Blair, repórter que ascendeu na casa com a publicação de entrevistas inventadas e notícias falsas.
"A posição do editor público, criada após grave escândalo jornalístico, desempenhou um papel crucial na reconstrução da confiança de nossos leitores, agindo como o cão de guarda da casa. Acolhemos suas críticas, mesmo quando nos agulhava. Mas hoje os nossos seguidores em redes sociais e nossos leitores em toda a internet se uniram para atuar coletivamente como um cão de guarda moderno, mais vigilantes e fortes do que uma pessoa poderia ser", escreveu Sulzberger.
As reações foram imediatas e negativas. A decisão e a justificava, pífia, foi condenada por críticos de mídia e jornalistas que cobrem o setor.
Alguns chamaram de risivelmente infantil o pensamento de que seguidores nas redes sociais e contribuintes das seções de comentários possam exercer tecnicamente a vigilância proposta pelo publisher.
Na última coluna, Liz Spayd, a ombudsman do "NYT", registrou a reação ruim dos leitores, que reclamam a existência de alguém com autoridade, perspectiva privilegiada e capacidade de exigir dos editores respostas e explicações.
Ela lançou dúvida sobre os líderes do "NYT" estarem mesmo buscando um novo modelo ou, apenas, estarem cansados de ter a sabedoria do santuário interno desafiada.
Na minha visão, o "NYT", conhecido por detratores de sua arrogância como "The Old Grey Lady (a velha dama cinzenta), caiu do salto. Tratou a função como se fosse um SAC (serviço de atendimento ao cliente). É muito mais do que isso.
Em geral, o ombudsman é jornalista experiente e independente, com bagagem e ferramentas suficientes para oferecer nuances e perspectivas diferentes à Redação, propiciando um ambiente de saudável autocrítica, mais do que necessário em tempos de polarização da sociedade como vivem os EUA e o Brasil.
Na sexta-feira, para dividir minha perplexidade, entrei em contato com ombudsmans do jornal inglês "The Guardian" e do espanhol "El País" e também com a crítica de mídia do "Washington Post". Dividiram comigo a surpresa com a demissão da colega e avaliaram o fato como danoso ao ambiente jornalístico.
Margaret Sullivan, antecessora de Liz Spayd e hoje colunista de mídia do "Washington Post", disse-me que o "public editor" era capaz de fazer cumprir a pressão por acuidade da informação de modo que comentaristas e críticos de fora da Redação não podem fazê-lo.
Ele está em posição privilegiada para obter respostas dos líderes da organização e insistir na prestação de contas, afirmou no Twitter. "Eu senti, ao exercer o cargo por quase quatro anos, que cumpri uma demanda objetiva e importante para os leitores e para o próprio 'Times'".
Para Paul Chadwick, do "Guardian", o jornalismo que é examinado com a mesma minúcia com que examina outros poderes e instituições é mais forte e confiável. "Nestes tempos desafiadores para o jornalismo, o papel do ombudsman precisa se adaptar, mas continua relevante."
A defensora dos leitores do "El País", Lola Galán, teme que haja um efeito dominó em outras organizações de imprensa. "Dada a importância e a repercussão do 'NYT', a dispensa do ombudsman pode ter consequências e levar outras empresas a tomar a mesma decisão."
O leitor Jeferson Araújo Pereira pareceu desmontar a justificativa oficial do "NYT": "Os leitores não podem substituir o trabalho realizado pela ombudsman, por um motivo bem simples: eles não são jornalistas. A maioria dos leitores é 'achista'. Achismo é bem diferente de jornalismo. Espero que essa decisão (errada e ridícula) do 'NYT' não influencie a Folha. Não consigo imaginar a Folha sem a presença de um ombudsman", escreveu.
Com a palavra, o editor-executivo Sérgio Dávila: "A Folha não tem planos de acabar com o cargo de ombudsman. É uma das marcas do jornal e parte importante de seu Projeto Editorial. Avaliada a distância, a decisão do 'New York Times' parece equivocada".
paula cesarino costa
ombudsman
Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.
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