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    Paula Cesarino Costa - Ombudsman

    Questão de (im)perícia

    02/07/2017 03h00

    Carvall

    Protagonistas da crise política brasileira depois de 17 de maio, quando veio a público a existência da gravação de conversa pouco republicana entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, perícias e peritos acabaram por expor fragilidades da Folha.

    O jornal deu mostra de agilidade ao ser o primeiro a encomendar uma perícia no áudio. A tarefa foi solicitada ao desconhecido Ricardo Caires dos Santos, identificado como "perito judicial pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo", sua melhor qualificação.

    Sua conclusão, publicada em 20 de maio, foi a de que havia "edições" no áudio, "indícios claros de manipulação" e "vícios" que o invalidariam como prova jurídica. O laudo logo foi encampado por Temer para desqualificar as denúncias.

    Em coluna publicada em 21 de maio, elogiei o jornal "pelo saudável exercício da dúvida", ao remar contra a corrente que condenara o presidente Temer antes de ter conhecimento integral da conversa.

    Considerava, entretanto, que o jornal fora enfático por demais ao decretar a inconclusividade da gravação. Mesmo com dúvidas acerca da literalidade de alguns trechos, as circunstâncias da conversa indicavam elementos incompatíveis com o decoro exigido do presidente.

    Logo após a publicação da primeira perícia, o site "O Antagonista" e o jornal "O Globo" questionaram o currículo do perito contratado pela Folha e listaram erros primários na transcrição da conversa que fez, como chamar Maria Silvia (então presidente do BNDES) de Marina Silva, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) de CDN, além de ter erros gramaticais elementares.

    Ao "O Globo", Caires foi menos incisivo na questão dos cortes e na manipulação do áudio. A Folha saiu em defesa da perícia contratada e reafirmou suas conclusões sem se dobrar a suas falhas.

    A partir daí, alguns leitores perceberam a existência de rixa entre os dois jornais e estranharam os papéis que cada um exercia no caso. "O Globo" foi identificado como antigovernista, e a Folha, como governista, invertendo papéis históricos a que ambos já foram associados.

    Um mês depois, a Polícia Federal concluiu que não houve edição na gravação da conversa entre Joesley e Temer. Os peritos do Instituto Nacional de Criminalística identificaram mais de 180 interrupções "naturais" no áudio. A perícia indicou que o equipamento usado pelo empresário da JBS possui um dispositivo que pausa automaticamente a gravação em momentos de silêncio e a retoma quando identifica som.

    Em crítica interna distribuída à Redação considerei que o jornal devia ao seu leitor manifestação reconhecendo seu erro na contratação de perícia eivada de fragilidades e conclusões equivocadas. A Folha fez ouvidos moucos.

    Questionei a direção a respeito do episódio. O secretário de Redação, Vinícius Mota, afirmou que as principais conclusões de Ricardo Caires dos Santos "estão em linha" com os principais pontos apontados pelo Instituto Brasileiro de Peritos, referindo-se à segunda perícia encomendada pela Folha. "Nada foi 'encampado' -o jornal relatou o que o perito registrou. Deve-se ressaltar que a perícia dele foi a primeira feita no material- nem o Ministério Público havia feito tal procedimento básico. A Folha acertou em procurar peritos para fazê-lo", justificou.

    Na avaliação do secretário, "não há oposição entre uma e outra perícia no ponto essencial. Ambas detectaram interrupções no áudio."

    Tenho aqui de manifestar minha discordância. A primeira perícia "verificou existência de mais de 50 edições". A segunda -assim como a análise oficial- apontou interrupções causadas pelo aparelho usado. Edição exige ação voluntária de alguém. Não pode ser comparada à interrupção provocada por um recurso do equipamento para ampliar as horas possíveis de gravação.

    Cotejando todos os laudos apresentados, não há dúvidas da existência de elementos mais do que suficientes para que "o jornal assuma que contratou um serviço ruim e anuncie o banimento do perito de sua lista de prestadores, a bem do leitor", como escrevi na crítica.

    Por imperícia jornalística, a imagem da Folha foi arranhada.

    Discordo, no entanto, de que o jornal tenha buscado preservar Temer. Apesar de que alguns equívocos e opções de edição do noticiário possam ter apontado nessa direção, a Folha pediu em editoriais a renúncia de Temer, defendeu diretas para escolher seu substituto, apoiou que sua chapa fosse cassada e classificou o governo como agônico.

    Jornalistas não gostam de tomar furos. Com frequência, olham com desconfiança notícias exclusivas publicadas pelos concorrentes, o que leva parte da corporação e da chefia a abraçar teses que minimizam ou desqualificam o furo tomado. O resultado é uma prática enviesada de jornalismo. Um erro leva a outro.

    A história não costuma ser suave com quem demora a reconhecê-los, passo essencial para transformá-los em lição para o futuro.

    paula cesarino costa

    Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.

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