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    Paula Cesarino Costa - Ombudsman

    Lei, ora a lei

    27/08/2017 02h30

    A cobertura jornalística do sistema judiciário exibe na última década protagonismo raro na história brasileira. Decisões e sessões do Supremo Tribunal Federal são comentadas como se fossem campeonatos.

    A Folha tem feito esforços para desvendar o Judiciário para o leitor. Nem sempre eficiente nas tentativas de lançar luz sobre a Justiça, chega a ser mal compreendida.

    Na sexta, 24, por exemplo, o jornal trouxe como manchete análise da rápida tramitação até a segunda instância do processo em que ex-presidente Lula foi condenado. Transcorreram 42 dias, desde a sentença do juiz Sérgio Moro, em julho, até a chegada ao tribunal de segunda instância, na quarta (23). É o trâmite mais rápido recebido por apelações de decisões da Lava Jato.

    Parte dos leitores interpretou a manchete como ataque à Lava Jato. Moro chegou a soltar nota para assegurar que os prazos do processo foram estritamente seguidos. Considerou "lamentável que a mera observância dos prazos legais seja invocada para alimentar teorias conspiratórias por este jornal".

    Avaliei como relevante e cuidadosa a reportagem. Trazia dados objetivos de interesse do leitor. Discordo de Moro de que, por si, a reportagem alimentasse teorias conspiratórias. Essas de fato existem, mas estão sempre se alimentando do jogo de poder que as engendra.

    Outra polêmica também cercada de teorias conspiratórias envolve Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal. Aguerrido, por vezes virulento, é responsável por decisões questionadas, declarações destemperadas e choques com juízes de instâncias inferiores.

    Com aberta atuação política, incomoda os que pregam que independência do magistrado equivale a virtude da mulher de César. Leitores reclamam de que a imprensa trata Mendes com exagerada mesura. Relatos acríticos sobre seus atos e declarações dão margem a esse entendimento, apesar de a Folha ter se esforçado em reportagens que buscam desvendar seu comportamento. Decerto a narrativa jornalística sobre Mendes está desarticulada, com lacunas a preencher.

    A linha mais conservadora do direito define que o juiz existe para aplicar a lei, não para fazer justiça. Choca-se com vertente que aponta que a interpretação da lei deve ser a que mais se afine com a justiça, a equidade e as exigências do bem comum. Entre uma coisa e outra cabe o mundo. É espinhosa e valiosa a tarefa dos jornalistas em destrinchá-lo. Exige qualificação, precisão e equilíbrio. Em termos sociais, não há hoje serviço mais relevante.

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    Carvall

    Valha-me Deus, cadê os ateus?

    "E os ateus?" A pergunta se repetiu em mais de uma centena de emails que inundaram a caixa de mensagens da ombudsman desde terça, 22. Leitores questionavam a exclusão de ateus e agnósticos de debate que acontecerá no dia 29, em São Paulo, promovido pela Folha.

    O jornal anunciou a realização do encontro, que discutirá o papel das religiões na crise do Brasil, com a presença do cardeal dom Odilo Scherer (arcebispo católico de São Paulo), do xeque Houssam el Boustani (muçulmano), do reverendo Davi Charles Gomes (presbiteriano) e do rabino Michel Schlesinger (Congregação Israelita Paulista).

    Mensagens cobravam representantes de religiões de matrizes africanas e de espíritas, mas a maioria reclamava da ausência de ateístas.

    A onda de emails foi estimulada por uma entidade denominada Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), cujo presidente exortou associados e seguidores a se queixarem. Grande parte das mensagens tinha trechos idênticos e argumentava que o debate sem um ateu seria um "monólogo".

    Segundo o Censo 2010, do IBGE, 64,6% dos brasileiros se dizem católicos, 22,2% evangélicos, 2% espíritas, 3% são adeptos de umbanda e/ou candomblé e as outras religiões, somadas, atingem 2,7%. Os que dizem não ter religião são 8%.

    Para a editora de Treinamento e Seminários, Suzana Singer, não estará em discussão o Estado laico. "Não há razão para chamar um representante ateu. Para garantir um debate dinâmico, limitamos o número de palestrantes a quatro denominações religiosas, sem a intenção de refletir a distribuição de credos na população brasileira"

    Não acho que a organização de um debate deva necessariamente obedecer a divisão religiosa do país. No entanto, faltou critério claro na composição da mesa. A mim, causou surpresa a ausência de representante do neopentecostalismo, uma das maiores e mais atuantes forças político-religiosas brasileiras.

    paula cesarino costa

    Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.

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