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    Paula Cesarino Costa - Ombudsman

    Bullying contra jornalista

    22/10/2017 02h00

    Carvall/Folhapress
    Ilustração ombudsman 10.set.2017

    Episódio típico da conflagração política atual envolveu a Folha, o humorista Danilo Gentili e a demissão de um repórter do jornal durante a semana que passou.

    Na sexta-feira, 13 de outubro, a Ilustrada dedicou uma página ao novo filme de Gentili -"Como se Tornar o Pior Aluno da Escola".

    Sob o título "Comédia juvenil ri de bullying e pedofilia", a reportagem em questão é descritiva. Ao final, cita que "gerou comentários" a cena em que um dos personagens pede a adolescentes que o masturbem. O texto registra que Gentili não quis responder a uma pergunta sobre piadas com pedofilia.

    Na mesma página da Ilustrada, a crítica feita por outra profissional (Marina Galeano) avaliava o filme como ruim: "Vale qualquer coisa para transgredir e tentar arrancar risadas da plateia", definiu. Em seguida, exemplifica: "diálogos chulos; enxurrada de palavrões; cenas escatológicas; piadas sobre minorias, religião e até pedofilia".

    A crítica era mais dura com o filme do que o texto de apresentação. Às 10h14 do dia da publicação, Gentili iniciou no Twitter uma espécie de cyberbullying: "Matéria mente. Postarei em breve vídeo da entrevista na íntegra (eu filmei). Pesquisem DIEGO BARGAS. Qual a chance de fazer matéria isenta?".

    Às 11h05, divulgou o vídeo com a íntegra da entrevista e, às 13h14, reproduziu postagens antigas do repórter no Facebook, que Gentili classifica como petistas. Não havia mentira alguma do repórter, mas Bargas se viu no furacão das redes sociais. Trancou suas contas no Facebook e no Twitter e avisou seu chefe direto sobre o que estava acontecendo.

    Algumas horas depois, a Folha colocava seus advogados à disposição para defender Bargas do cyberbullying, mas lhe comunicava que estava sendo demitido do jornal por desrespeitar a orientação reiterada de "evitar manifestações político-partidárias" nas redes sociais.

    O vídeo integral da entrevista de Bargas com Gentili deixa claro que o humorista estava desconfortável com as perguntas que lhe foram dirigidas. O jornalista, no entanto, sai-se mal em seu desempenho profissional. Parece inseguro, confuso e insiste em questionar um único aspecto do filme (os limites do humor).

    Diego Bargas, 29, era contratado da Folha havia pouco mais de oito meses, e integrava o Núcleo de Cultura, especificamente o F5, o site de entretenimento do jornal.

    Bargas afirma que é simpatizante de Lula, Dilma e Haddad. Diz que conhecia as orientações do jornal, mas que nunca imaginou que os posts fossem problemáticos. "Eles não defendem ideias. Eu poderia ter comentado a foto da sarrada do Lula e ainda assim ser crítico a ele. Poderia dizer que o Haddad é o próximo presidente do Brasil, mas não estou declarando meu voto nele".

    Para Bargas, ficou a impressão de que a Folha aceitou como verdadeira a versão de Gentili de que ele é um militante. Essa foi também a impressão de grande parte dos leitores. "O repórter mandou muito mal [na entrevista]. A Folha deveria colocá-lo num programa de treinamento ou demiti-lo, se fosse o caso, mas pela incompetência. Ao demitir o repórter após o apresentador de TV pedir sua cabeça, o jornal deu um péssimo exemplo de falta de apoio a um profissional da casa e incentivou outros entrevistados a jogarem jornalistas aos leões toda vez que se sentirem ofendidos por críticas a seus trabalhos", apontou Julio Adamor Cruz Neto.

    O editor-executivo Sérgio Dávila explica que os jornalistas da Folha devem evitar manifestar posições político-partidárias, que tendem a reduzir a credibilidade do jornalista e a da Folha –que tem o apartidarismo como princípio editorial–, e emitir juízos que comprometam a independência de seu trabalho. Dávila salientou que Gentili nunca falou com ninguém do comando do jornal sobre o caso.

    A justificativa para o desligamento de um repórter exige coerência daqui para a frente. A postagem dos profissionais da casa em redes sociais ficará sob escrutínio.

    Coincidentemente no mesmo 13 de outubro, o jornal "The New York Times" divulgou a atualização das diretrizes de conduta de seus profissionais nas redes sociais. As orientações estão em linha com aquelas traçadas pela Folha.

    A Folha deveria ter analisado com mais discernimento os posts e ter ouvido as justificativas do repórter. Poderia ter optado por advertência profissional, espécie de alerta para as responsabilidades de cada um. As falhas técnicas do jornalista deveriam ser enfrentadas. Se não corrigidas ou minoradas em tempo razoável, a demissão poderia vir a ser a solução natural. Mas o ataque sofrido pelo profissional que atuava em nome da Folha não poderia ter sido tratado com naturalidade, sem resposta firme.

    Da forma como procedeu, uma onda de insegurança se ampliou entre profissionais e leitores. Qual o respaldo que os jornalistas obtêm no exercício do seu trabalho? Qual o limite entre cobrança pública legítima e o cyberbullying? São questões que permanecem em aberto.

    paula cesarino costa

    Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.

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