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    Paula Cesarino Costa - Ombudsman

    As almas desencantadas das ruas

    26/11/2017 02h00

    Um ano depois da Olimpíada, o Estado do Rio bateu um recorde lamentável. Campeã em negociatas, a cúpula dos Poderes Executivo e Legislativo fluminenses nos últimos 20 anos está presa, sob diversas acusações de desvio de dinheiro público.

    A sequência é impressionante. Estão na cadeia os ex-governadores Anthony Garotinho (1999-2002), Rosinha Garotinho (2003-2007) e Sérgio Cabral (2007-2014). Este arrastou consigo para a cadeia a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo. Os ex-presidentes da Assembleia Legislativa Jorge Picciani e Paulo Melo engrossam a nefasta escalação de detentos que dividiam o exercício do poder no Estado.

    Como se não bastasse, também estão presos poderosos ex-secretários de Estado e empresários que a eles se associaram em crimes.

    O remanescente do grupo é o governador Luiz Fernando Pezão, que teve seu mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral, mas se mantém no cargo porque recorre da sentença em instância superior.

    Não há parâmetro na história política brasileira recente de escândalo desse porte em governos estaduais. Além de política, a crise também é financeira. Segunda maior economia do país, o Rio decretou calamidade pública em 2016, não pagou fornecedores, atrasou salários (servidores não receberam até hoje o 13º), sucateou hospitais, desmontou a política de segurança.

    A situação começou a se agravar imediatamente após os Jogos Olímpicos. No mesmo período, coincidentemente, a Folha enxugou seus quadros jornalísticos no Rio.

    Desde então, vem perdendo o protagonismo em grandes coberturas que envolvem o Estado: operações derivadas da Lava Jato, aniquilamento amplo de lideranças políticas, disputas entre facções criminosas, desmonte da política de segurança pública até pouco tempo atrás exitosa, falência dos sistemas de educação e saúde.

    Ainda que tenha acumulado boas reportagens em 2017, a Folha não se destacou à altura da gravidade do caso em nenhum dos temas.

    Para muitos leitores, o jornal passou a impressão de que, finda a Olimpíada, não havia por que manter o Rio entre suas prioridades. Movimento semelhante foi feito por organismos de mídia internacional. Muitos deles diminuíram ou extinguiram sua estrutura na cidade.

    Se é compreensível a decisão de estrangeiros, deve-se questionar o que parece ser mudança de prioridade de Folha. O resultado objetivo é que o jornal tem perdido variedade, profundidade e agilidade noticiosa. Nesta semana, foi o último dos grandes jornais a informar a prisão de Anthony e Rosinha Garotinho.

    O secretário de Redação Roberto Dias diz que houve falha pontual no caso citado e que "o jornal é mais ágil hoje no Rio do que antes".

    Não foi a primeira vez. Na Operação Unfair Play, que mirava a compra de votos para a Rio-2016, o jornal foi lento para entrar no caso e mostrar contundência editorial. Era de se esperar investigação de fôlego sobre Carlos Arthur Nuzman que mandou no esporte olímpico brasileiro por décadas até ser preso.

    Mesmo que, no dia a dia dos desdobramentos da Lava Jato no Rio a Folha tenha ficado em desvantagem em relação a concorrentes, conseguiu dar furos relevantes, como a reportagem que informou que não haviam sido apreendidas as joias mais valiosas do suposto esquema de Cabral-Ancelmo de lavagem de dinheiro.

    Dias lembra que a Folha fez, por exemplo, pesquisa Datafolha no Rio que jamais havia feito e que pautou o noticiário da concorrência.

    É perceptível a intenção de investir em diferenciais como as espécies de crônicas da Lava Jato, com o objetivo de dar ao leitor algo mais do que os telejornais e os sites.

    Espera-se mais do maior jornal do país e com influência nacional. Na minha avaliação, a Folha precisa recalibrar suas ferramentas para dar conta da dimensão da tragédia fluminense.

    O Rio é a caixa de ressonância de uma crise nacional profunda. A cidade onde João do Rio perseguia as almas encantadas das ruas tornou-se zumbi político-administrativo.

    paula cesarino costa

    Está na Folha desde 1987. Foi Secretária de Redação e editora de Política, Negócios e Especiais. Chefiou a Sucursal do Rio até janeiro de 2016. Escreve aos domingos.

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