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    Paul Krugman

    Marco Rubio e os zumbis

    15/02/2013 15h39

    O discurso do Estado da União não foi muito interessante, lamento dizer. É verdade que o presidente propôs muitas ideias boas. Mas já sabemos que praticamente nenhuma delas vai conseguir passar pela Câmara dos Deputados hostil.

    Já a resposta do Partido Republicano, dada pelo senador Marco Rubio, da Flórida, foi interessante e reveladora. E digo isso no pior sentido possível. Pois Rubio é um astro em ascensão, a tal ponto que a revista "Time" o colocou em sua capa, descrevendo-o como "o salvador republicano". O que descobrimos na terça-feira, contudo, foi que ideias econômicas de zumbi consumiram seu cérebro.

    Caso você esteja se perguntando o que é isso, uma ideia de zumbi é uma proposta que já foi amplamente refutada por análises e provas e deveria, portanto, ter morrido --mas se nega a continuar morta, ou porque atende a uma finalidade política ou porque alimenta preconceitos, ou, ainda, pelas duas razões.

    A clássica ideia de zumbi no discurso político americano é a de que reduções nos impostos cobrados dos ricos se pagam sozinhas --mas existem muitas outras. E, como eu disse, quando o assunto é economia, parece que a mente de Rubio é infestada de zumbis.

    Vamos começar pela pergunta maior: como viemos parar na situação difícil em que estamos?

    A crise financeira de 2008 e suas consequências dolorosas, que ainda estamos enfrentando, foram um enorme tapa na cara dos fundamentalistas do livre mercado. Por volta de 2005, os suspeitos de sempre --publicações conservadoras, analistas de "think-tanks" de direita como o American Enterprise Instituto e o Instituto Cato, e assim por diante-- insistiam que os mercados financeiros não regulamentados estavam indo muito bem, obrigada, e minimizaram avisos sobre uma bolha imobiliária, tachando-os de queixumes de progressistas.

    Então a bolha supostamente inexistente estourou, e o sistema financeiro revelou ser perigosamente frágil; apenas resgates governamentais enormes impediram um colapso total.

    Ao invés de aprender com a experiência, contudo, muitos à direita optaram por reescrever a história. Naquela época, eles achavam que as coisas estavam indo muito bem, e sua única queixa era que o governo estava dificultando a concessão de ainda mais financiamentos para a compra de imóveis; hoje eles dizem que as políticas governamentais --que teriam sido ditadas pelos liberais, de alguma maneira, apesar de o Partido Republicano controlar tanto o Congresso quanto a Casa Branca-- promoveram o endividamento excessivo e causaram todos os problemas.

    Cada parte desta história revisionista já foi refutada minuciosamente. Não, o governo não obrigou os bancos a conceder empréstimos a "aquela gente"; não, a Fannie Mae e a Freddie Mac (empresas hipotecárias) não provocaram a bolha imobiliária (concederam relativamente poucas hipotecas durante os anos de pico da bolha); não, os credores patrocinados pelo governo não foram responsáveis pela multiplicação de hipotecas de alto risco (a imensa maioria das hipotecas mais arriscadas foi concedida por credores privados).

    Mas as ideias de zumbi continuam. Vejam o que disse Rubio na noite de terça-feira: "Esta ideia --de que os problemas foram causados por um governo pequeno demais--, ela simplesmente não é verdadeira. Na realidade, uma causa importante de nossa recessão recente foi uma crise imobiliária gerada por políticas governamentais insensatas".

    Sim, é uma ideia de zumbi, totalmente.

    E a resposta à crise? Quatro anos atrás, analistas econômicos de direita insistiram que os gastos públicos geradores de déficit destruiriam empregos, porque o endividamento do governo desviaria recursos que, de outro modo, teriam sido investidos em empresas. E eles insistiram que esse endividamento faria as taxas de juros subir. A coisa certa a fazer, afirmaram, seria equilibrar o orçamento, mesmo em uma economia deprimida.

    Esse argumento era evidentemente falho desde o começo. Como pessoas como eu tentaram explicar, a razão toda pela qual nossa economia estava deprimida era que as empresas não estavam dispostas a investir tanto quanto os consumidores estavam tentando poupar. Logo, a contração de empréstimos pelo governo não faria os juros subir, e tentar equilibrar o orçamento simplesmente aprofundaria a depressão.

    De fato, longe de estarem subindo, os juros estão em patamar historicamente baixo --e os países que reduziram seus gastos públicos vêm assistindo à perda acelerada de empregos. Raramente é possível colocar ideias econômicas opostas à prova de modo tão claro, e as ideias da direita não passaram no teste.

    Mas as ideias de zumbi continuam. Eis o que disse Rubio: "Cada dólar que nosso governo toma emprestado é dinheiro que não está sendo investido para gerar empregos. E a incerteza criada pela dívida é uma razão pela qual muitas empresas não estão contratando." Dois para os zumbis, zero para a realidade.

    Para sermos justos com Rubio, o que ele diz não é diferente do que todos os outros em seu partido estão dizendo. Mas é isso o que é tão assustador, justamente.

    Pois aqui estamos, mais de cinco anos depois de iniciada a pior recessão econômica desde a Grande Depressão, e um de nossos dois grandes partidos políticos viu sua doutrina econômica cair por terra duas vezes: no período que precedeu a crise e na fase depois dela. No entanto, esse partido não aprendeu nada. Ao que parece, acredita que tudo vai acabar bem se ele continuar a repetir os mesmos velhos slogans de sempre, só que em voz mais alta.

    É uma imagem perturbadora, um mau agouro para o futuro de nosso país.

    Tradução de CLARA ALLAIN

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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