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    Paul Krugman

    Blues do "hot money"

    25/03/2013 17h08

    Seja qual for o resultado final da crise do Chipre --sabemos que será feio, só não sabemos exatamente que forma isso vai assumir--, uma coisa parece certa: por enquanto, e provavelmente por anos ainda, a ilha terá que impor controles mais ou menos draconianos ao movimento de entrada e saída de capitais. Na verdade, é muito possível que os controles já estejam em vigor quando você ler esta coluna.

    E não é só isso: dependendo de exatamente como isso for feito, é bem possível que os controles de capital cipriotas contem com as bênçãos do Fundo Monetário Internacional, que já foi a favor de tais controles na Islândia.

    É uma novidade notável. Vai assinalar o fim de uma era no Chipre, que, concretamente, passou os últimos dez anos anunciando-se como um lugar onde indivíduos ricos que quisessem evitar impostos e escrutínio poderiam deixar seu dinheiro em segurança, sem que fossem feitas perguntas. Mas é possível que também assinale o começo do fim de algo muito mais amplo: a era em que o movimento irrestrito de capitais era visto como norma desejável em todo o mundo.

    As coisas nem sempre foram assim. Nas primeiras duas décadas após a Segunda Guerra Mundial, os limites aos fluxos de dinheiro entre países eram largamente vistos como positivos; eram mais ou menos universais nos países mais pobres e estavam presentes na maioria dos países mais ricos, também.

    O Reino Unido, por exemplo, limitou os investimentos no exterior de seus cidadãos até 1979; outros países adiantados mantiveram as restrições até a década de 1980. Mesmo os Estados Unidos limitaram as saídas de capital por um período breve na década de 19160.

    Com o tempo, porém, essas restrições foram caindo por terra. Isso refletia, certo ponto, o fato de que os controles de capital têm custos potenciais: geram mais burocracia, dificultam as operações comerciais, e as análises econômicas convencionais dizem que eles exercem um impacto negativo sobre o crescimento (embora esse efeito seja difícil de comprovar nos números).

    Mas também refletia a ascensão da ideologia do livre mercado, a pressuposição de que, se os mercados financeiros querem fazer dinheiro atravessar fronteiras, deve haver uma boa razão para isso, e os burocratas não deveriam criar empecilhos.

    Com isso, os países que de fato tomaram iniciativas para limitar os fluxos de capital --como a Malásia, que em 1998 impôs o que equivaleu a um toque de recolher sobre a fuga de capitais-- foram tratados quase como párias. Com certeza seriam castigados por desafiar os deuses do mercado!

    Mas a verdade, por mais difícil seja de ser aceita pelos ideólogos, é que a movimentação irrestrita de capitais está mais e mais parecendo ser um experimento que fracassou.

    É difícil imaginar isso hoje, mas por mais de três décadas após a Segunda Guerra Mundial, crises financeiras do tipo que passamos a conhecer tão bem recentemente quase nunca aconteciam. Desde 1980, porém, a sequência de crises tem sido impressionante: México, Brasil, Argentina e Chile em 1982. Suécia e Finlândia em 1991. México novamente em 1995. Em 1998, Tailândia, Malásia, Indonésia e Coreia. Argentina outra vez em 2002. E, é claro, a sequência mais recente de desastres: Islândia, Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Chipre.

    Qual é o tema comum nestes episódios? A opinião generalizada põe a culpa no esbanjamento fiscal --mas essa explicação se aplica a apenas um país desta lista, a Grécia. Uma explicação melhor é dada por bancos operando sem controles, que tiveram um papel em várias destas crises, desde o Chile até a Suécia e o Chipre.

    Mas o melhor indicativo de crise é dado por grandes entradas de dinheiro estrangeiro. Em todos menos dois dos casos que citei acima, as bases da crise foram dadas por uma entrada acelerada de investidores estrangeiros num país, seguida por uma repentina saída dos mesmos.

    Evidentemente, não sou o primeiro a ter tomado nota da correlação entre a abertura do capital global e a proliferação de crises financeiras; Dani Rodrik, de Harvard, começou a bater nessa tecla nos anos 1990.

    Até pouco tempo atrás, contudo, era possível argumentar que o problema das crises era limitado a países mais pobres, que as economias mais ricas eram de alguma maneira imunes a serem afetadas adversamente por investidores globais passageiros. Era uma ideia reconfortante, mas os problemas que a Europa vem enfrentando mostram que era infundada.

    E não é apenas a Europa. Nos últimos dez anos os Estados Unidos também passaram por uma enorme bolha imobiliária alimentada por dinheiro do exterior, seguida por uma ressaca desagradável quando a bolha estourou.

    Os prejuízos foram mitigados pelo fato de termos contraído empréstimos em nossa própria moeda, mas, mesmo assim, é a pior crise enfrentada pelos EUA desde a década de 1930.

    E agora, o que vai acontecer? Não prevejo uma rejeição repentina e em grande escala da ideia de que o dinheiro deve ser livre para ir para onde quiser, quando quiser. Mas é muito possível que ocorra um processo de erosão, na medida em que governos intervêm para limitar o ritmo de entrada e de saída de dinheiro do país.

    Podemos prever que o capitalismo global se torne substancialmente menos global.

    E tudo bem. Neste momento, os maus velhos tempos, quando não era tão fácil transferir muito dinheiro de um país para outro, estão parecendo bons.

    Tradução de CLARA ALLAIN

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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