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    Paul Krugman

    O partido louco

    20/09/2013 19h09

    Alguns meses atrás, Bobby Jindal, governador da Louisiana, conquistou manchetes por dizer aos seus colegas republicanos que eles precisavam deixar de ser o "partido estúpido". Infelizmente, Jindal não ofereceu quaisquer sugestões construtivas sobre como eles deveriam agir para chegar a isso. E, nos meses que se seguiram, ele mesmo terminou por dizer algumas coisas que, podemos dizer, não se mostraram especialmente inteligentes.

    Mesmo assim, os republicanos seguiram seu conselho. Nos últimos meses, o Partido Republicano deixou de ser o partido estúpido para se transformar no partido louco.

    Eu sei que estou sendo ranzinza. Mas está se tornando cada vez mais difícil, diante da histeria republicana quanto à reforma da saúde, ver como poderemos evitar a paralisação do governo - e talvez até a perspectiva ainda mais assustadora de uma moratória na dívida pública. O momento dos eufemismos ficou para trás.

    Creio que seja útil compreender que o clima político atual não tem precedentes reais.

    Divisões no governo nada têm de incomum, e na realidade são mais frequentes que o oposto. Da Segunda Guerra Mundial em diante, houve 35 congressos, e em apenas 13 deles o partido do presidente controlava totalmente o Legislativo.

    Mesmo assim, o governo norte-americano continuou funcionando. Na maior parte do tempo, o fato de o governo estar dividido resultava em compromisso; em alguns momentos, causava impasse. Mas ninguém jamais considerou a possibilidade de que um partido viesse a buscar impor sua agenda não pelo processo constitucional, mas por chantagem - ameaçando paralisar o governo federal, e toda a economia, a não ser que suas exigências fossem atendidas.

    É verdade que houve a paralisação do governo em 1995. Mas ela foi reconhecida, posteriormente, como tanto um erro quanto um ultraje. E aquele confronto surgiu logo depois de uma abrangente vitória republicana nas eleições legislativas de 1994, permitindo aos republicanos alegar que tinham mandato popular para contestar o que viam como um presidente paralisado e em final de mandato.

    Hoje, em contraste, os republicanos acabam de passar por uma eleição na qual fracassaram em retomar a presidência apesar da economia fraca, fracassaram em retomar o controle do Senado ainda que houvesse mais cadeiras democratas do que republicanas em disputa, e só mantiveram o controle da Câmara devido às idiossincrasias do processo de divisão de distritos eleitorais. Os democratas na realidade venceram as eleições para a Câmara, por 1,4 milhão de votos de vantagem. Ou seja, não estamos falando de um partido que, sob qualquer padrão concebível de legitimidade, tenha o direito de fazer demandas extremas ao presidente.

    Mas no momento, parece altamente provável que os republicanos se recusem a aprovar o custeio da administração, forçando a paralisação de suas atividades a partir do começo do mês que vem, a não ser que o presidente Barack Obama desmantele a reforma da saúde que é a maior realização de seu governo. Os líderes republicanos compreendem que essa é uma má ideia, mas até recentemente a ideia deles de como pregar moderação era a de instar a Câmara a não tomar o país como refém nas negociações orçamentárias apenas para fazê-lo semanas mais tarde, quando chegar a hora de negociar o limite para as dívidas federais. Mas agora eles desistiram até mesmo disso. A mais recente notícia é que John Bohner, o presidente da Câmara, abandonou seus esforços para negociar um recuo salvador quanto ao orçamento, o que significa que estamos a caminho de uma paralisação das atividades do governo, possivelmente seguida por uma crise de dívida.

    Como chegamos a esse ponto?

    Alguns sabichões insistem, apesar de tudo que aconteceu, em que a culpa de alguma maneira cabe a Obama. Por que ele não pode conversar com Boehner da mesma forma que Tip O'Neill conversava com Ronald Reagan? Mas O'Neill não liderava um partido cuja base exigia que ele paralisasse o governo a não ser que Reagan revogasse seus cortes de impostos, e O'Neill tampouco enfrentava lideranças dispostas a depô-lo da presidência da Câmara ao primeiro sinal de compromisso.

    Não, essa história gira só em torno do Partido Republicano. Primeiro veio a "estratégia sul", com a qual a elite republicana explorou cinicamente as reações racistas a fim de promover metas econômicas, principalmente reduzir os impostos dos ricos e desregulamentar mercados. Com o tempo, esse conceito evoluiu para o que podemos definir como "a estratégia da loucura", com a qual elite explora a paranoia que sempre foi um fator na política norte-americana - Hillary matou Vince Foster! Obama nasceu no Quênia! A reforma de saúde causará mortes! - a fim de promover os mesmos objetivos.

    Mas agora vivemos um terceiro estágio, no qual a elite perdeu o controle do monstro de Frankenstein que ela mesma criou.

    Por isso podemos testemunhar o hilariante espetáculo de Karl Rove apelando, em entrevista ao "Wall Street Journal", que os republicanos reconheçam a realidade de que não há como cancelar as verbas da reforma da saúde de Obama. Por que hilariante? Porque Rove e seus colegas passaram décadas tentando garantir que a base republicana viva em uma realidade alternativa definida por Rush Limbaugh e a Fox News. Vale bem dizer que "o feitiço se virou contra o feiticeiro..."

    É claro que os confrontos iminentes provavelmente prejudicarão o país como um todo, e não a imagem do Partido Republicano. Mas era claro que esse momento da verdade político aconteceria cedo ou tarde. Que venha agora.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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