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    Paul Krugman

    Expandindo a previdência social

    22/11/2013 17h59

    Há muitos anos, uma regra é essencial para aqueles que desejam ser considerados sérios em Washington. É a de que você precisa se declarar disposto a reduzir os programas de previdência social em nome da "reforma nos benefícios". O que importava realmente não são os números, que jamais sustentaram a ideia de que a previdência social esteja enfrentando crise aguda. A posição, em lugar disso, é uma declaração de identidade, uma forma de demonstrar que você é parte do sistema, e está disposto a infligir sofrimento (aos outros, como sempre) em nome da responsabilidade fiscal.

    Mas nos últimos 12 meses ou pouco mais, algo de engraçado aconteceu. De repente, começamos a ouvir discussões sobre a ideia de que a previdência social deveria ser expandida, não reduzida. O debate sobre a expansão da previdência social até chegou ao Senado, onde Tom Harkin introduziu um projeto de lei que elevaria os benefícios. Poucos dias atrás, a senadora Elizabeth Warren fez um discurso inspirador apresentando os argumentos em favor de uma expansão nos benefícios.

    O que explica essa mudança? Uma resposta é que os resmungões da política fiscal, o principal sustentáculo da opinião ortodoxa sobre a previdência social, perderam muita credibilidade, merecidamente, nos últimos anos. (Dar ao ridículo Paul Ryan um prêmio por responsabilidade fiscal? Onde está a crise de dívida que ele tanto prometeu?) Além disso, o sistema geral de aposentadoria dos Estados Unidos está em séria crise. Só uma parte dele está funcionando bem: a previdência social. E isso sugere que deveríamos fortalecer, e não enfraquecer, esse sistema.

    Antes que eu trate disso, porém, permita-me discorrer brevemente sobre dois maus argumentos que são ouvidos frequentemente em defesa de um corte da previdência social.

    Um é o de que deveríamos elevar a idade mínima para aposentadoria - hoje de 66 anos, e que deve em breve subir a 67 - porque as pessoas agora vivem mais. Isso parece plausível até que você verifique quem exatamente está vivendo mais tempo. O aumento na expectativa de vida é, na realidade, uma história que se aplica de maneira esmagadora aos norte-americanos com melhor nível educacional e patrimônio mais alto. As pessoas com renda mais baixa e nível educacional inferior em geral não viram qualquer melhora na expectativa de vida, quando chegam aos 65 anos; na realidade, para as pessoas com nível educacional mais baixo, a expectativa de vida caiu.

    Assim, esse argumento comumente apresentado representa, na prática, dizer que não podemos permitir que zeladores se aposentem porque advogados agora vivem mais. E os norte-americanos de renda mais baixa, caso você não tenha percebido, são aqueles que mais precisam da previdência social.

    O outro argumento é o de que os idosos estão se saindo muito bem. Ei, o índice de pobreza entre eles é de apenas 9%.

    Há dois grandes problemas quanto a isso. Primeiro, existem falhas bem conhecidas na metodologia oficial de cálculo da pobreza, e essas falhas quase certamente resultam em subestimativa grave no número de idosos pobres. Em uma tentativa de oferecer um quadro mais realista, o Serviço de Recenseamento agora divulga regularmente um indicador suplementar que a maioria dos especialistas encara como superior - e sob essa forma de cálculo a pobreza entre os idosos é de 14,8%, próxima à vigente para os adultos mais jovens.

    Além disso, a pobreza entre os idosos provavelmente crescerá muito no futuro, em razão do fracasso do sistema privado de pensões dos Estados Unidos.

    Quando você observa os norte-americanos idosos, hoje, está em larga medida contemplando o legado de uma economia que já não existe. Muitos trabalhadores costumavam ter planos de aposentadoria com renda fixa, sob os quais seus empregadores lhes garantiam a renda depois da aposentadoria. E muitos idosos (como o meu pai, até morrer alguns meses atrás) continuam a receber os benefícios desses planos.

    Hoje, porém, os trabalhadores que ainda têm planos de aposentadoria em geral contam com planos de contribuição definida - essencialmente, as contas 401 -, sob os quais seus empregadores colocam dinheiro em uma conta sobre a qual não incidem impostos e cujos proventos futuros supostamente deverão bancar a aposentadoria. O problema é que, a esta altura, fica claro que a transição para as contas 401 foi um gigantesco fracasso. Os empregadores tiraram vantagem dela para reduzir clandestinamente os benefícios; os retornos sobre o investimento são muito mais baixos do que os trabalhadores foram levados a acreditar e, para ser justo, muita gente não administrou sabiamente o seu dinheiro.

    Como resultado, estamos diante de uma crise incipiente no setor de aposentadoria, e dezenas de milhões de norte-americanos se verão forçados a aceitar padrões de vida mais baixos no final de suas vidas profissionais. Para muitos, a única coisa que os protegerá da penúria abjeta é a previdência social. Você não fica feliz por não a termos privatizado?

    Assim, temos fortes argumentos em favor da expansão, e não da contração, da previdência social. Sim, isso custaria dinheiro e requereria impostos adicionais - sugestão que horrorizará os resmungões fiscais, os quais vêm insistindo em que, caso elevemos impostos, os proventos devem ser usados para reduzir o deficit e não para tornar as nossas vidas melhores. Mas os resmungões já provaram estar errados sobre tudo mais, e é hora de começar a pensar de modo mais heterodoxo.

    A expansão da previdência social não é algo que deva ocorrer em breve, se considerarmos o caso de modo realista. Mas é uma ideia que merece estar em debate - e que ela enfim esteja é um ótimo sinal.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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