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    Paul Krugman

    Salários melhores, já

    02/12/2013 16h25

    Estamos na estação da boa vontade - ou, pelo menos, na estação em que passamos muito tempo em shopping centers. A tradição dispõe que ela também seja um tempo em que refletimos sobre a situação das pessoas menos afortunadas do que nós - por exemplo, a pessoa do outro lado da caixa registradora.

    As últimas décadas foram difíceis para muitos trabalhadores norte-americanos, mas especialmente árduas para as pessoas que trabalham no comércio varejista - categoria que inclui, por exemplo, os funcionários do Wal-Mart e do McDonald's. A despeito dos efeitos persistentes da crise financeira, os Estados Unidos são um país muito mais rico hoje do que 40 anos atrás. Mas os salários dos trabalhadores não executivos do setor de varejo, que já não eram bem pagos para começar, caíram em quase 30% de 1973 para cá, considerada a inflação do período.

    Será que se pode fazer alguma coisa para ajudar esses trabalhadores, muitos dos quais dependem dos programas de assistência alimentar do governo - se é que têm acesso a eles - para manter suas famílias alimentadas, e do programa federal de saúde Medicaid - uma vez mais, se tiverem acesso a ele - para cuidar da saúde dos seus? Sim. Podemos preservar e expandir o programa de assistência alimentar, em lugar de cortá-lo severamente como desejam os republicanos. Podemos garantir que a reforma da saúde funciona, apesar dos esforços da direita para solapá-la. E podemos aumentar o salário mínimo.

    Alguns fatos, para começar. Ainda que o salário mínimo federal norte-americano tenha sido aumentado alguns anos atrás, continua muito baixo pelos padrões históricos, e está defasado tanto com relação à inflação quanto com relação ao nível salarial médio. E quem recebe esse salário mínimo irrisório? Em geral, os homens e mulheres que operam os caixas: quase 60% dos trabalhadores norte-americanos que ganham salário mínimo estão no setor de alimentação ou vendas. Isso, aliás, significa que um dos argumentos invocados com mais frequência contra qualquer tentativa de elevar salários - a ameaça de concorrência internacional - não tem validade no caso em questão: os norte-americanos não irão à China para comprar seus hambúrgueres e fritas.

    Mesmo assim, ainda que a competição internacional não seja problema, será que podemos ajudar os trabalhadores ao simplesmente legislar um aumento de salário? Isso não representa violação da lei da oferta e da procura? Os deuses do mercado não nos despedaçarão com sua mão invisível? A resposta é que temos muitos indicadores firmes quanto ao que acontece quando o salário mínimo sobe. E os indicadores são esmagadoramente positivos: elevar o mínimo tem efeito adverso pequeno ou nulo sobre o nível de emprego e ao mesmo tempo aumenta significativamente a renda dos trabalhadores.

    É importante compreender a qualidade desses indicadores. Normalmente, a análise econômica é prejudicada pela ausência de experimentos controlados. Por exemplo, você pode observar o que aconteceu na economia dos Estados Unidos depois do pacote de estímulo de Obama, mas não pode observar um universo alternativo no qual o pacote de estímulo não tenha acontecido, e comparar os resultados.

    Mas quando se trata do salário mínimo, temos diversos casos em que um dado Estado elevou seu salário mínimo enquanto um Estado vizinho não o fez. Se existisse alguma verdade na ideia de que aumentos no salário mínimo têm forte efeito negativo sobre o emprego, o resultado ficaria aparente na comparação entre Estados. E não fica.

    Assim, um aumento do salário mínimo ajudaria os trabalhadores mal pagos, com poucos efeitos colaterais adversos. E estamos falando de muita gente. No começo deste ano, o Instituto de Política Econômica estimou que um aumento no salário mínimo nacional dos atuais US$ 7,25 para US$ 10,10 por hora beneficiaria 30 milhões de trabalhadores. A maioria se beneficiaria diretamente, porque seus salários atuais são inferiores a US$ 10,10 por hora, mas outros se beneficiariam indiretamente, porque seus salários estão vinculados ao mínimo - por exemplo, os gerentes dos restaurantes de fast food, que ganham salários ligeiramente (mas apenas ligeiramente) melhores que os dos funcionários que comandam.

    Muitos economistas, é fato, rejeitam visceralmente qualquer coisa que lhes pareça manipulação de preços, mesmo que os indícios indiquem fortemente que isso teria efeitos positivos. Há também quem argumente que deveríamos subsidiar, e não regulamentar - que deveríamos, especialmente, expandir o programa de crédito sobre impostos acumulados (EITC), que de fato oferece ajuda significativa às famílias trabalhadoras de baixa renda. E eu gostaria de deixar claro que favoreço a expansão do EITC.

    Mas existem, na realidade, bons motivos técnicos para encarar o salário mínimo e o EITC como complementares, e não como mutuamente excludentes. Os dois deveriam ter aumentos. Infelizmente, dadas as realidades políticas, não existe chance alguma de que um projeto de lei ampliando a assistência aos pobres seja aprovado no Congresso.

    Já um aumento no salário mínimo, por outro lado, poderia concebivelmente acontecer, graças ao apoio público esmagador à ideia. Esse apoio não vem só do eleitorado democrata ou independente; fortes maiorias entre os republicanos (57%) e as pessoas que se descrevem como conservadores (59%) favorecem o aumento.

    Em resumo, aumentar o salário mínimo poderia ajudar a muitos norte-americanos, e talvez seja politicamente viável. Por que não tentar?

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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