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    Paul Krugman

    A guerra quanto à pobreza

    10/01/2014 19h15

    Já se passaram 50 anos desde que o presidente Lyndon Johnson declarou guerra à pobreza nos Estados Unidos. E uma coisa estranha aconteceu, a caminho desse marco histórico. Subitamente, ou assim parece, os progressistas deixaram de se desculpar por seus esforços em benefício dos pobres e começaram, em lugar disso, a alardeá-los. E os conservadores estão se vendo na defensiva.

    As coisas não deveriam ter acontecido dessa maneira. Por muito tempo, todo mundo sabia, ou mais precisamente "sabia", que a guerra contra a pobreza foi um abjeto fracasso. E todos também sabiam o motivo: era tudo culpa dos pobres. Mas o que todo mundo sabia provou não ser verdade, e o público parece enfim ter percebido.

    A narrativa era a seguinte: os programas de combate à pobreza na realidade não haviam reduzido a pobreza, porque a pobreza nos Estados Unidos é essencialmente um problema social - uma questão de famílias desfeitas, crime e de uma cultura da dependência que a assistência governamental só servia para reforçar. E porque essa narrativa foi aceita de maneira tão ampla, culpar os pobres se provou um bom instrumento político, adotado entusiasticamente pelos republicanos e também por alguns democratas.

    Mas essa visão da pobreza, que talvez tivesse algo de verdade nos anos 70, não porta qualquer semelhança com as coisas que aconteceram de lá para cá.

    Para começar, a guerra contra a pobreza na realidade teve muitas realizações. É verdade que o indicador padrão de pobreza não caiu muito. Mas esse indicador não inclui os valores de programas públicos cruciais, como a assistência alimentar e as restituições de impostos. Se esses programas forem incluídos na conta, os dados mostram declínio significativo da pobreza e um declínio ainda maior da pobreza extrema. Outros indícios também apontam para uma grande melhora nas vidas dos pobres dos Estados Unidos. Os norte-americanos de renda mais baixa são muito mais saudáveis e bem nutridos hoje do que eram nos anos 60.

    Além disso, existem fortes provas de que os programas de combate à pobreza têm benefícios de longo prazo, tanto para os seus beneficiários quanto para o país como um todo. Por exemplo, as crianças beneficiadas por programas de assistência alimentar são mais saudáveis e obtêm rendas mais altas, quando adultas, se comparadas às crianças que não contaram com esse benefício.

    E se o progresso no combate à pobreza foi ainda assim decepcionantemente lento, o que de fato procede, a culpa não cabe aos pobres, mas às mudanças no mercado de trabalho, no qual os trabalhadores comuns já não têm possibilidade de obter bons salários. Os salários costumavam crescer na mesma medida em que a produtividade dos trabalhadores, mas esse vínculo desapareceu nos anos 80. O terço menos bem remunerado da força de trabalho dos Estados Unidos viu aumentos baixos ou zero em seus salários, do começo dos anos 70 para cá, considerada a inflação do período; e o terço menos bem pago dos trabalhadores homens sofreu severa queda de salário. Essa estagnação nos salários, e não a degradação social, é o motivo para que erradicar a pobreza tenha se tornado tão difícil.

    Ou, para expressar a questão de outro modo, o problema da pobreza se tornou parte do problema mais amplo da alta na desigualdade de renda, em uma economia na qual todos os frutos do crescimento parecem beneficiar uma pequena elite, deixando todo o restante da população para trás.

    Como, portanto, deveríamos responder a essa realidade?

    A posição dos conservadores é, essencialmente, a de que não devemos responder. Eles têm um compromisso para com a visão de que o governo é sempre o problema, e nunca a solução; tratam todos os beneficiários de programas sociais como se a pessoa fosse uma das mitológicas "rainhas da previdência que andam por aí de Cadillac". E por que não o fariam? Afinal, durante décadas, sua posição lhes propiciou vitórias políticas, porque os norte-americanos de classe média viam o "bem-estar social" como algo que beneficiava Aquelas Pessoas Lá, mas não a eles.

    Isso ficou no passado. A esta altura, a ascensão do 1% dos norte-americanos mais ricos em detrimento de todo mundo mais se tornou tão evidente que já não é possível calar a discussão quanto à crescente desigualdade com gritos de "isso é guerra de classes!"

    Enquanto isso, as dificuldades que enfrentam forçaram muito mais norte-americanos a recorrer aos programas de seguridade social. E porque os conservadores responderam definindo parcela cada vez maior da população como "aproveitadores" indignos de respeito - um quarto, um terço, 47%, pouco importa o número -, eles levaram as pessoas a vê-los como insensíveis e mesquinhos.

    Pode-se perceber a nova dinâmica política em ação na disputa sobre a assistência aos desempregados. Os republicanos continuam opostos ao prolongamento dos benefícios, a despeito do elevado desemprego em longo prazo. Mas um dado revelador é que mudaram de argumento. Subitamente, o que importa já não é forçar esses vagabundos preguiçosos a encontrar empregos, mas sim preservar a responsabilidade fiscal. E ninguém acredita em uma palavra que seja dessa história.

    Enquanto isso, os progressistas estão na ofensiva. Decidiram que a desigualdade é uma questão política que pode lhes propiciar uma vitória. Veem os programas da guerra contra a pobreza, a exemplo da assistência alimentar, do programa federal de saúde Medicaid e da restituição de impostos às famílias de baixa renda, como histórias de sucesso, como iniciativas que ajudaram os norte-americanos necessitados, especialmente durante a crise iniciada em 2007, e que deveriam ser expandidas. E se esses programas beneficiarem número crescente de cidadãos, em lugar de terem foco estreito nos mais pobres, qual é o problema?

    Ou seja, no seu 50º aniversário, a guerra contra a pobreza já não parece um fracasso. Em lugar disso, parece um modelo para o movimento progressista, que está em ascensão e cada vez mais confiante.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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