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    Paul Krugman

    Inimigos dos pobres

    13/01/2014 17h06

    Subitamente se tornou aceitável, e quase compulsório, que políticos com ambições nacionais falem sobre ajudar os pobres. Isso é fácil para os democratas, que podem recuar ao seu passado como o partido de Franklin Roosevelt e Lyndon Johnson. Mas é muito mais difícil para o Partido Republicano, que está enfrentando sérias dificuldades para escapar de sua reputação como um Robin Hood às avessas, ou seja, o partido que tira dos pobres para dar aos ricos.

    E o motivo para seja tão difícil escapar a essa reputação é que ela é merecida. Não é exagero dizer que no momento os republicanos estão fazendo tudo que podem para prejudicar os pobres, e eles teriam infligido danos adicionais muito maiores caso tivessem vencido a eleição de 2012. Além disso, a aspereza do Partido Republicano para com os menos afortunados não é apenas uma questão de desdém (ainda que isso seja parte da questão); ela está profundamente enraizada na ideologia do partido, e é por isso que os recentes discursos de líderes republicanos declarando que eles também se importam com os pobres não continham quase nada de específico em termos de propostas políticas.

    Comecemos pelo histórico recente dos republicanos.

    O desdobramento político mais importante nos Estados Unidos, hoje, é a implementação da Lei de Acesso à Saúde, mais conhecida como Obamacare. A maioria dos Estados governados pelos republicanos, no entanto, estão se recusando a implementar uma porção crucial da lei, a reforma do programa federal de saúde Medicaid, e com isso negam cobertura de saúde a cinco milhões de cidadãos norte-americanos de baixa renda. E o mais espantoso é que eles estão se esforçando imensamente para bloquear a assistência aos pobres apesar de o programa ter custo quase zero: praticamente todos os custos da expansão do Medicaid seriam cobertos pelo governo federal.

    Enquanto isso, esses mesmos Estados controlados pelos republicanos estão cortando os benefícios-desemprego, as verbas da educação e mais. Como eu disse, não seria exagero dizer quer o Partido Republicano está prejudicando os pobres o máximo que pode.

    O que os republicanos teriam feito caso tivessem conquistado a Casa Branca em 2012? A mesma coisa, mas em escala muito maior. Tenha em mente que todas as propostas de orçamento apresentadas pelo Partido Republicano desde que este tomou o controle da Câmara dos Deputados em 2010 envolviam cortes selvagens no Medicaid, na assistência alimentar e em outros programas de combate à pobreza.

    Será que os republicanos, ainda assim, são capazes de mudar de abordagem? A resposta, lamento dizer, é quase certamente negativa.

    Primeiro, eles têm um profundo compromisso para com a posição de que quaisquer esforços de ajuda aos pobres na realidade perpetuam a pobreza, ao reduzir o incentivo para que os pobres arrumem trabalho. E é lícito dizer que essa posição não é completamente incorreta.

    Bem, aplicá-la aos benefícios-desemprego, claro, é uma completa tolice. A ideia de que o desemprego é alto porque "estamos pagando as pessoas para que não trabalhem" é uma falácia (não importa que desespero imponhamos aos desempregados, esse desespero não resulta na criação de empregos), envolta em uma falsidade (poucas pessoas optam por se manter desempregadas porque isso permite que continuem a receber benefícios).

    Mas nosso sistema descoordenado e descontínuo de programas de combate a pobreza tem o efeito de penalizar os esforços dos domicílios de renda mais baixa para melhorar sua situação: quanto mais renda eles vierem a obter, menos benefícios receberão. Na prática, esses domicílios enfrentam altas alíquotas marginais de impostos. Uma grande fração, em certos casos superior a 80%, de cada dólar adicional que eles recebem termina recolhida pelo governo.

    A questão está no que podemos fazer para reduzir essas elevadas alíquotas. Poderíamos simplesmente cortar os benefícios profundamente; isso reduziria o desincentivo a encontrar trabalho, mas apenas por meio de uma intensificação da miséria dos pobres. E os pobres se tornariam menos produtivos bem como mais miseráveis. É difícil aproveitar uma baixa alíquota marginal de imposto quando você sofre de subnutrição e de cuidados de saúde inadequados.

    Alternativamente, podemos adotar um sistema de redução gradual de benefícios. De fato, uma das virtudes raramente elogiadas do Obamacare é que o plano propicia exatamente esse efeito. Ou seja, ele não só melhora a situação dos pobres como melhora seus incentivos, porque os subsídios que as famílias recebem para bancar planos de saúde são reduzidos gradualmente para acompanhar o crescimento de sua renda, em lugar de simplesmente desaparecerem assim que a pessoa tem renda alta o bastante para estar excluída do Medicaid. Mas melhorar os incentivos dessa forma significa gastar mais, e não menos, com a rede de seguridade social, e os impostos pagos pelos ricos teriam de subir para bancar esses gastos. E é difícil imaginar qualquer republicano importante se dispondo a tomar esse caminho - ou sobrevivendo a um desafiante nas primárias do partido caso viesse a fazê-lo.

    O ponto é que um partido cujo compromisso é para com um governo pequeno e impostos baixos para os ricos significa, mais ou menos necessariamente, um partido com o compromisso de prejudicar, e não ajudar, os pobres.

    Isso mudará um dia? Bem, os republicanos nem sempre foram assim. De fato, todos os grandes programas de combate à pobreza - Medicaid, assistência alimentar, restituição de impostos - costumavam contar com apoio bipartidário. E talvez algum dia a moderação retorne ao Partido Republicano.

    Por enquanto, porém, os republicanos são, no sentido mais profundo, inimigos dos pobres dos Estados Unidos. E isso continuará a ser verdade por mais que sujeitos como Paul Ryan e Marco Rubio tentem nos convencer do contrário.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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