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    Paul Krugman

    Os problemas da Turquia

    31/01/2014 11h57

    Eu gostaria de saber quem pediu por isso. Com tudo mais que está acontecendo, a última coisa de que precisávamos era uma nova crise econômica em um país já dilacerado por problemas políticos. É verdade que as consequências mundiais diretas dos problemas da Turquia, uma economia de tamanho semelhante ao da região de Los Angeles, não serão grandes.

    Mas já estamos ouvindo a temível palavra "contágio" - o tipo de contágio que um dia fez com que uma crise na Tailândia se espalhasse pela Ásia, e que mais recentemente levou a crise da Grécia a se espalhar pela Europa; agora, todos se preocupam coma possibilidade de que os problemas turcos se espalhem pelos mercados emergentes do planeta.

    Trata-se, de muitas maneiras, de uma história conhecida. Mas isso é parte daquilo que torna a situação tão perturbadora. Por que continuamos a enfrentar essas crises? E a questão é que os intervalos entre as crises parecem estar encurtando, e as consequências de cada uma delas parecem piores que a da precedente. O que está acontecendo?

    Antes que eu trate da Turquia, uma breve história das crises financeiras mundiais.

    Depois da Segunda Guerra Mundial, o sistema financeiro mundial se provou notavelmente resistente a crises durante toda uma geração, sob os padrões atuais - provavelmente porque a maioria dos países restringia o fluxo internacional de capitais, e por isso a captação e crédito internacionais eram limitados. No final dos anos 70, porém, a desregulamentação e a agressividade cada vez maior dos banqueiros conduziram a uma corrida de fundos à América Latina, seguida pelo que o ramo conhece como uma "parada súbita", em 1982 - e por uma crise que conduziu a uma década de estagnação econômica.

    A América Latina por fim recuperou o crescimento (ainda que o México tenha sofrido uma desagradável recaída em 1994), mas nos anos 90 uma versão ainda mais ampla da mesma história se desenrolou na Ásia: imensos influxos de capital seguidos por uma parada súbita e uma implosão econômica. Algumas das economias asiáticas superaram o abalo rapidamente, mas o investimento jamais se recuperou plenamente, e o mesmo se aplica ao crescimento.

    Mais recentemente, ainda outra versão dessa história aconteceu dentro da Europa, com a corrida de dinheiro à Grécia, Espanha e Portugal, seguida por uma parada súbita e por dores econômicas imensas.

    Como eu disse, ainda que a história seja sempre a mesma em linhas gerais, os efeitos continuam a se agravar. A produção real caiu em 4% no México na crise de 1981-1983; na Indonésia, a queda foi de 14% entre 1997 e 1998; na Grécia, ela chegou a mais de 23%.

    Ou seja, será que temos uma crise ainda pior fervilhando? Os fundamentos são ligeiramente reconfortantes: a Turquia, especialmente, tem baixa dívida pública e, embora as empresas do país tenham tomado muitos empréstimos no exterior, a situação financeira geral não parece tão ruim. Mas cada uma das crises anteriores desafiou as expectativas otimistas prevalecentes. E as mesmas forças que enviaram capital abundante para a Turquia também tornam a economia mundial fortemente vulnerável.

    Você pode ou não ter ouvido que existe um grande debate entre os economistas quanto à possibilidade que estejamos enfrentando uma "estagnação secular". Do que eles estão falando? Bem, uma maneira de descrever a questão é como uma situação na qual o montante de dinheiro que as pessoas desejam economizar é superior ao volume de investimentos que merecem ser feitos.

    Quando isso acontece, você tem um de dois resultados. Se os investidores estão sendo cautelosos e prudentes, na prática estamos todos, coletivamente, tentando gastar menos do que ganhamos, e já que meu gasto é sua renda e seu gasto é minha renda, o resultado é uma queda persistente na atividade econômica.

    Alternativamente, investidores desesperados - frustrados pelos baixos retornos e em busca angustiada de rendimentos - podem se iludir e despejar dinheiro em projetos mal concebidos, sejam eles empréstimos imobiliários de risco (subprime) ou investimentos de capital em países emergentes. Isso pode estimular a economia por algum tempo, mas por fim os investidores precisam encarar a realidade, os influxos estancam e chega a hora da dor.

    Se essa é uma boa descrição de nossa situação, e acredito que seja, agora temos uma economia mundial destinada a viver na gangorra entre bolhas e depressões. E esse não é um pensamento encorajador, no momento em que contemplamos o que parece ser a explosão da bolha dos mercados emergentes.

    O ponto mais importante é que a Turquia não é o verdadeiro problema; e tampouco a África do Sul, Rússia, Hungria, Índia e quem mais esteja sofrendo abalos no momento. O problema real é que as economias ricas do planeta - os Estados Unidos, a zona do euro e também alguns protagonistas menores - não enfrentaram a fraqueza subjacente em seu desempenho. O problema mais óbvio é que, diante de um setor privado que deseja poupar demais e investir de menos, adotamos políticas de austeridade que aprofundam as forças da depressão. E o pior é que todos os indicadores são de que, ao permitir que o desemprego persista, estamos prejudicando nossas perspectivas de crescimento tanto de curto quanto de longo prazo, o que deprimirá ainda mais o investimento privado.

    Oh, e boa parte da Europa está em risco de uma armadilha deflacionária ao modo japonês. E a crise dos mercados emergentes poderia, plausivelmente, tornar esse risco realidade.

    Assim, a Turquia parece estar enfrentando sérios problemas - e a China, um agente econômico muito mais importante, também parece um pouco abalada. Mas o que torna esses problemas apavorantes é a fraqueza subjacente das economias ocidentais, uma fraqueza seriamente agravada por políticas econômicas muito, muito ruins.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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