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    Paul Krugman

    Os barões da banda larga

    17/02/2014 11h11

    Na semana passada, a maior notícia no mundo dos negócios norte-americano foi a de que a Comcast, gigante do setor de TV a cabo e do acesso de alta velocidade à Internet, havia chegado a acordo para adquirir a Time Warner Cable, uma empresa só um pouco menos enorme. Se as autoridades regulatórias aprovarem a transação, a Comcast conquistará posição dominante no setor, com cerca de 30 milhões de assinantes.

    Permitam-me, portanto, fazer duas perguntas sobre a transação proposta. Primeiro, por que deveríamos nem que só pensar em permitir que aconteça? Segundo, quando e por quê, exatamente, deixamos de nos preocupar com o poder de monopólio?

    Quanto à primeira pergunta, os setores de TV a cabo e de Internet de banda larga já apresentam forte concentração, com apenas algumas poucas grandes empresas respondendo pela maioria dos clientes. No passado, as autoridades antitruste, ao considerar uma situação como essa, provavelmente estariam pensando em como reduzir o poder da Comcast. Permitir que ela se expandisse seria impensável.

    O presidente-executivo da Comcast diz que não existe motivo para preocupação. "A transação não reduzirá a concorrência em nenhum mercado relevante porque nossas companhias não se sobrepõem ou competem diretamente uma com a outra. De fato, não operamos nos mesmos códigos postais". Mas essa explicação é só uma transparente desculpa esfarrapada. A grande preocupação quanto a permitir que a Comcast cresça ainda mais não é a concorrência reduzida por clientes em mercados locais - para começar, nesse nível, o fato é que praticamente não existe concorrência efetiva. O problema real é que a Comcast teria ainda mais poder do que já tem para ditar termos aos provedores de conteúdo para o acesso aos seus canais digitais de distribuição - e que o poder que isso confere à empresa de conseguir acordos favoráveis com os fornecedores de conteúdo tornaria ainda mais difícil o surgimento de rivais capazes de desafiar seu monopólio na ponto da consumo.

    O ponto é que a Comcast se enquadra perfeitamente ao conceito dos monopolistas como "barões salteadores", assim conhecidos por analogia com os senhores feudais que, ocupando castelos inexpugnáveis por sobre o rio Reno, forçavam todos os viajantes a pagar para passar por eles. A aquisição da Time Warner Cable na prática permitiria que a Comcast reforçasse suas fortificações, o que certamente seria má ideia.

    É interessante que um clichê parece estar faltando, em meio aos argumentos padronizados que vêm sendo empregados em defesa da transação: não vi até agora ninguém que alegasse que a união entre as duas companhias promoveria a inovação. Talvez porque a pessoa que viesse a fazê-lo terminaria ridicularizada. Na verdade, diversos especialistas - como Susan Crawford, da Escola Benjamin N. Cardozo de Direito, autora do recente "Captive Audience", um livro com especial relevância para esse caso - argumentaram que o poder das companhias de telecomunicações gigantescas sufocou a inovação e deixou os Estados Unidos em desvantagem diante de outros países avançados.

    E existem bons motivos para acreditar que essa história não se aplica apenas às telecomunicações. O poder monopolista se tornou um arrasto significativo para a economia dos Estados Unidos como um todo.

    No passado existia consenso bipartidário quanto a uma aplicação rigorosa das normas antitruste. Nos anos Reagan, porém, a política antitruste entrou em eclipse, e de lá para cá os indicadores quanto a situações de monopólio, por exemplo a concentração das vendas em dado setor nas mãos de algumas poucas companhias, vêm subindo rapidamente.

    No começo, os argumentos contra policiar o poder monopolista mencionavam supostos benefícios das fusões em termos de eficiência econômica. Mais tarde, se tornou comum afirmar que o mundo havia mudado de maneiras que tornavam irrelevantes aquelas antiquadas preocupações quanto ao poder monopolista. Não estamos vivendo uma era de competição mundial? A destruição criativa que a nova tecnologia acarreta não derruba constantemente velhos gigantes da indústria, e cria sucessores para eles?

    A verdade, porém, é que muitos bens, e especialmente serviços, não estão sujeitos a competição internacional. As famílias de Nova Jersey não podem recorrer a um serviço sul-coreano de banda larga. E enquanto isso, os méritos da destruição criativa foram superestimados: a Microsoft pode ser um império em declínio, mas continua imensamente lucrativa graças à posição monopolista que estabeleceu décadas atrás.

    Além disso, existem bons motivos para acreditar que os monopólios em si sejam uma barreira à inovação. Crawford argumenta persuasivamente que o poder irrestrito das gigantes das telecomunicações removeu incentivos ao progresso: por que melhorar sua rede ou oferecer serviços melhores quando seus clientes não têm alternativa?

    E o mesmo fenômeno pode estar desempenhando papel importante em segurar o avanço da economia como um todo. Um dos enigmas sobre a recente experiência dos Estados Unidos é a desconexão entre o lucro e o investimento. O lucro das empresas vêm batendo recordes, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), mas as companhias não estão reinvestindo lucros em seus negócios. Em lugar disso estão acumulando grandes reservas de caixa ou recomprando ações. Essa é exatamente a tendência que você esperaria ver se boa parte desses lucros recorde representasse renda monopolista.

    É hora, em outras palavras, de voltarmos a nos preocupar com o poder de monopólio, uma preocupação que nunca deveríamos ter abandonado. E o primeiro passo no caminho de volta, depois dessas décadas de desvio, é óbvio: dizer não à Comcast.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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