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    Paul Krugman

    Sem acordo? Sem problema

    28/02/2014 15h14

    Todo mundo sabe que a agenda econômica doméstica do governo Obama está paralisada, diante da oposição irredutível dos republicanos. E isso é ruim: a economia dos Estados Unidos estaria em forma muito melhor caso algumas propostas do governo Obama, como seu projeto de lei de criação de empregos, se tornassem lei.

    Fato menos conhecido é que a agenda econômica internacional do governo norte-americano também está paralisada, mas por motivos muito diferentes. A peça central dessa agenda, a proposta de uma Parceria Trans-Pacífico (TPP, sigla em inglês), parece estar conseguindo pouco progresso, especialmente, graças a uma combinação de dificuldades de negociação no exterior e de ceticismo da parte de ambos os partidos quanto a acordos de comércio internacional, no cenário doméstico.

    E sabe o quê? Isso não é problema. Está longe de claro que a TPP seja uma boa ideia. Está ainda menos claro que essa proposta seja algo a que o presidente Barack Obama deva dedicar capital político. Eu em geral defendo o livre comércio, mas não ficarei preocupado, e até sentirei algum alívio, se a TPP desaparecer sem deixar traços.

    A primeira coisa que você precisa saber sobre acordos de comércio internacional é que eles já não são o que eram. Os dias de glória das negociações comerciais, como a rodada Kennedy dos anos 60 - que resultou em forte redução das tarifas em todo o mudo - ficaram há muito no passado.

    Por quê? Basicamente, os acordos de comércio internacional à moda antiga caíram vítima do sucesso que conquistaram: não resta tanto protecionismo assim a eliminar. As tarifas médias dos Estados Unidos caíram em dois terços de 1960 para cá. O mais recente relatório da Comissão de Comércio Internacional sobre os obstáculos norte-americanos às importações estima seu custo total em menos de 0,01% do Produto Interno Bruto (PIB).

    A proteção implícita aos serviços - regras e normas que têm o efeito de, digamos, bloquear a concorrência internacional no ramo de seguros - certamente impõe custos adicionais. Mas o fato continua a ser que, hoje em dia, "acordos de comércio internacional" giram basicamente em torno de outras coisas que não comércio. O que eles realmente envolvem são, especialmente, os direitos de propriedade - coisas como a capacidade de impor a validade de patentes sobre remédios e dos direitos autorais de filmes. E disso que trata a TPP.

    Há muito exagero na discussão sobre a TPP, tanto da parte dos partidários do acordo quanto de seus oponentes. Os partidários gostam de falar do fato de que os países que fazem parte da negociação respondem por cerca de 40% da economia mundial, o que eles dão a entender significa que o acordo será imensamente significativo. Mas o comércio entre esses agentes já é bastante livre, de modo que a TPP não faria diferença tão grande.

    Enquanto isso, os oponentes retratam a TPP como um imenso complô, sugerindo que ela destruiria a soberania nacional e transferiria todo o poder às grandes empresas. Isso também é um exagero absurdo. Os interesses empresariais veriam reforçada em alguma medida sua capacidade de recorrer à Justiça contra ações governamentais, mas, não, o governo Obama não está secretamente negociando abandonar a democracia.

    O que a TPP faria, no entanto, é reforçar a capacidade de certas empresas para impor seu controle sobre a propriedade intelectual. Uma vez mais, o assunto aqui são patentes sobre remédios e direitos sobre filmes.

    Isso é bom, do ponto de vista mundial? Duvido que seja. O tipo de direito de propriedade sobre o qual estamos falando aqui pode ser descrito, alternativamente, como "monopólio legal". É verdade que monopólios temporários são, de fato, a maneira que usamos para recompensar novas ideias; mas argumentar que precisamos de ainda mais monopolização é bastante dúbio e pouco tem a ver com os argumentos clássicos em defesa do livre comércio.

    É fato que as empresas que se beneficiariam de um reforço no controle sobre a propriedade intelectual seriam em muitos casos norte-americanas. Mas isso não significa que a TPP sirva aos interesses nacionais. O que é bom para as grandes companhias farmacêuticas nem sempre é bom para os Estados Unidos.

    Em resumo, não existem argumentos convincentes em favor desse acordo, quer do ponto de vista mundial, quer do nacional. E tampouco parece existir algo como um consenso político em seu favor, no país ou fora dele.

    No exterior, as notícias sobre a mais recente reunião dos negociadores são exatamente aquelas que você costuma ouvir quando uma negociação comercial está chegando a lugar algum. Nos Estados Unidos, tanto Harry Reid, líder da maioria democrata no Senado, quando Nancy Pelosi, líder da bancada democrata na Câmara, se pronunciaram contra conferir ao presidente a crucial autorização para negociar em "via expressa", o que significa que qualquer tratado teria de ser aprovado ou rejeitado na íntegra pelo Legislativo, sem debate separado de cláusulas individuais.

    Por isso fico imaginando qual seria o motivo de o presidente estar forçando a negociação da TPP. Os argumentos econômicos são na melhor das hipóteses fracos, e o partido dele não gosta da ideia. Por que desperdiçar tempo e capital político em um projeto como esse?

    Meu palpite é que estamos diante de uma combinação entre a sabedoria dominante em Washington - as Pessoas Muito Sérias sempre apoiam cortes de benefícios e acordos de comércio internacional - e funcionários do governo que se veem aprisionados nos anos 90, ainda vivendo a era na qual os novos democratas tentavam provar ao mundo que não eram progressistas ao velho estilo por meio de apoio aberto à globalização. Quaisquer que sejam as motivações, porém, a campanha em favor da TPP parece quase bizarramente fora de contato com a realidade dos Estados Unidos, tanto política quanto econômica.

    Por isso, não chore pela TPP. Se o grande acordo de comércio internacional der em nada, como parece provável, isso não será problema.

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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