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    Paul Krugman

    Liberdade, igualdade, eficiência

    10/03/2014 14h42

    A maioria das pessoas, se pressionada a responder, provavelmente concordaria que uma desigualdade de renda extrema é ruim, ainda que número considerável de conservadores acredite que o tema da distribuição de renda deva ser banido completamente do discurso público. (Rick Santorum, ex-senador republicano e candidato à presidência, quer proibir o termo "classe média", que ele define como "linguagem esquerdista que promove a inveja de classe". Vocês sabiam disso?)

    Mas o que se pode fazer a respeito dessa desigualdade?

    A resposta padrão na política dos Estados Unidos é "não muito". Quase 40 anos atrás, Arthur Okun, o presidente do conselho de assessoria econômica da Casa Branca no governo Lyndon Johnson, publicou um livro clássico intitulado "Equality and Efficiency: The Big Tradeoff" [igualdade e eficiência: a grande troca], argumentando que redistribuir renda dos ricos aos pobres tem efeito adverso sobre o crescimento econômico.

    O livro de Okun ditou os termos do debate que se seguiria: os progressistas argumentavam que os custos da redistribuição em termos de eficiência eram baixos, e os conservadores, que eram altos - mas todo mundo sabia que fazer qualquer coisa para reduzir a desigualdade teria pelo menos algum efeito negativo sobre o Produto Interno Bruto (PIB).

    No entanto, agora parece que aquilo que todo mundo sabia não era verdade. Agir para reduzir a extrema desigualdade dos Estados Unidos no século 21 provavelmente aumentaria, e não reduziria, o crescimento econômico.

    PROVAS

    Comecemos pelas provas.

    É amplamente sabido que a desigualdade de renda pode variar amplamente entre diferentes países avançados. É especialmente sabido que a renda disponível nos Estados Unidos e no Reino Unido se distribui de modo muito mais desigual do que na França, Alemanha ou Escandinávia.

    Menos conhecido é o fato de que essa diferença resulta primordialmente de políticas governamentais. Dados recolhidos pelo "Estudo de Renda de Luxemburgo" (do qual participarei a partir da metade deste ano) demonstram que a renda primária - a renda do salário e de ativos - tem distribuição muito desigual em quase todos os países. Mas impostos e transferências (assistência em dinheiro ou direta) reduzem a desigualdade subjacente, em grau variável: um pouco mas não muito nos Estados Unidos, muito mais em outros países.

    Assim, reduzir a desigualdade por meio de redistribuição prejudica o crescimento econômico? Não, de acordo com dois importantes estudos por economistas do FMI (Fundo Monetário Internacional), que dificilmente pode ser considerado uma organização esquerdista.

    O primeiro estudo contemplou a relação histórica entre desigualdade e crescimento, e constatou que países com desigualdade de renda relativamente baixa se saem melhor na obtenção de crescimento econômico sustentado, desconsiderados os "surtos" passageiros de crescimento acelerado. O segundo, divulgado no mês passado, observa diretamente o efeito da redistribuição de renda, e constatou que "a redistribuição parece no geral benigna, em termos de impacto sobre o crescimento".

    Em resumo, aquilo que Okun definia como uma troca negativa de crescimento por redistribuição na realidade não é troca alguma. Ninguém está propondo que tentemos ser uma nova Cuba, mas adotar nos Estados Unidos políticas mais parecidas com as normas europeias provavelmente resultaria em aumento, e não perda, de eficiência econômica.

    BEM-ESTAR SOCIAL

    A essa altura alguém certamente argumentará que "mas será que a crise da Europa não é prova dos efeitos destrutivos do Estado de bem-estar social?" Não, não é. A Europa está pagando caro por criar uma união monetária sem união política. Mas dentro da zona do euro, os países que promoveram mais redistribuição suportaram a crise até melhor do que aqueles que redistribuíram menos a renda.

    Mas como os efeitos da redistribuição de renda podem ser positivos para o crescimento? Uma assistência generosa aos pobres não reduz o incentivo a trabalhar? Impostos sobre os ricos não reduzem seu incentivo a enriquecer ainda mais?

    Sim e sim - mas os incentivos não são a única coisa que importa. Os recursos também importam - e em uma sociedade de alta desigualdade, muita gente não os tem.

    Pense, especialmente, no sempre popular lema de que devemos procurar igualdade de oportunidade, não oportunidade de resultados. Isso pode parecer bom para pessoas que não fazem qualquer ideia sobre as vidas que dezenas milhões de norte-americanos levam; mas para aqueles que têm senso de realidade, é uma piada cruel. Quase 40% das crianças dos Estados Unidos vivem na pobreza ou perto dela.

    Você realmente acredita que elas têm o mesmo acesso a educação e emprego que os filhos das famílias afluentes?

    Na verdade, as crianças de baixa renda têm probabilidade muito menor de fazer um curso superior do que as crianças mais afluentes, e a disparidade vem se ampliando rapidamente. E isso não é ruim apenas para as pessoas que têm o azar de nascer na família errada; representa um imenso e crescente desperdício de potencial humano - desperdício que certamente age como um arrasto invisível, mas poderoso, sobre o crescimento econômico.

    Não, não quero argumentar que fazer alguma coisa para reduzir a disparidade de renda beneficiaria a todos. Os muito afluentes perderiam mais com o aumento de impostos do que ganhariam com o avanço no crescimento econômico. Mas está bastante claro que enfrentar a desigualdade seria bom não só para os pobres como para a classe média (desculpe, senador Santorum).

    Em resumo, que é bom para o 1% não é bom para os Estados Unidos. E não precisamos continuar a viver em uma nova Era Dourada como a do século 19, se assim não quisermos.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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