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    Paul Krugman

    Por que a Economia fracassou

    02/05/2014 15h32

    Na quarta-feira, encerrei o curso que lecionei durante todo o semestre: "A Grande Recessão: Causas e Consequências". (Os slides que acompanham as aulas estão disponíveis no meu blog.) E embora dar o curso fosse divertido, no final me vi conduzido a uma questão agonizante: por que, no momento em que era mais necessária e poderia ter feito o maior bem, a Economia fracassou?

    Não quero dizer que Economia tenha sido uma disciplina inútil para as autoridades. Pelo contrário: a disciplina teve muito a oferecer. Embora seja verdade que poucos economistas anteciparam a chegada da crise - principalmente, eu argumentaria, porque poucos deles perceberam o quanto nosso sistema financeiro desregulamentado se havia tornado frágil, e o quanto as famílias sobrecarregadas de dívidas estavam vulneráveis a uma queda forte nos preços das casas -, o segredinho limpo dos últimos anos é que, desde a quebra do banco Lehman Brothers, a macroeconomia básica que os manuais da disciplina ensinam vem funcionando muito bem.

    Mas as autoridades econômicas e os políticos ignoraram tanto os manuais básicos da disciplina quanto as lições da História. E o resultado foi uma imensa catástrofe econômica e humana, com trilhões de dólares em potencial de produção desperdiçados e milhões de famílias forçadas a enfrentar apertos desnecessários.

    Em que sentido a Economia funcionou bem? Os economistas que levaram a sério os manuais de sua disciplina diagnosticaram rapidamente a natureza de nossos males econômicos: estávamos sofrendo de demanda inadequada. A crise financeira e a contração no mercado da habitação criaram um ambiente no qual todos estavam tentando gastar menos, mas o meu gasto é a sua renda e o seu gasto é a minha renda, de modo que, quando todo mundo tenta cortar gastos ao mesmo tempo, o resultado é um declínio geral nas rendas e uma economia em depressão. E sabemos (ou deveríamos saber) que economias em depressão se comportam de modo muito diferente de economias que têm pleno emprego ou estão perto dele.

    Por exemplo, muita gente aparentemente bem informada - banqueiros, líderes empresariais, importantes funcionários do governo - advertiu que deficit orçamentários levariam a uma disparada nas taxas de juros e na inflação. Mas os economistas sabiam que alertas como esses, que poderiam ter feito sentido sob condições normais, nada tinham de válido sob as condições concretas que enfrentávamos. E, como seria de esperar, a inflação e os juros se mantiveram baixos.

    E o diagnóstico da demanda inadequada como causa de nossos males tinha claras implicações de política econômica: enquanto a falta de demanda fosse o problema, estaríamos vivendo em um mundo no qual as regras usuais não se aplicariam. Não vivíamos, especialmente, um momento em que devêssemos nos preocupar com deficit orçamentários e cortes de gastos, o que só agravaria a depressão. Quando John Boehner, então líder da minoria republicana na Câmara dos Deputados, declarou em 2009 que, por as famílias norte-americanas estarem tendo de apertar os cintos, o governo teria de fazer o mesmo, pessoas como eu ficaram atônitas: as declarações dele traíam sua ignorância econômica. Precisávamos de mais gastos do governo, e não menos, a fim de encher o buraco deixado pela demanda privada inadequada.

    Mas poucos meses mais tarde o presidente Barack Obama começou a dizer exatamente a mesma coisa. Na verdade, isso se tornou parte fixa de seus discursos. E ele não estava sendo apenas retórico. Desde 2010, vimos queda fortes nos gastos facultativos e um declínio sem precedentes nos deficit orçamentários, e o resultado foi um crescimento anêmico e desemprego em longo prazo de escala não vista desde os anos 30.

    Assim, por que não usamos o conhecimento econômico que tínhamos?

    Uma resposta é a que a lógica que embasa a política correta a adotar em uma crise contraria a intuição. O que as pessoas consideram certo se baseia em analogias incorretas com as finanças individuais de uma família, o que explica por que Obama começou a ecoar Boehner.

    E mesmo pessoas supostamente bem informadas hesitam diante da noção de que uma simples falta de demanda possa causar tamanho estrago. Elas insistem em que certamente devemos ter profundos problemas estruturais, por exemplo uma força de trabalho à qual falta a capacitação necessária; isso soa sério e sábio, ainda que todas as indicações apontem que é completamente falso.

    Enquanto isso, poderosas facções políticas constatam que a má análise econômica serve aos seus objetivos. O mais óbvio exemplo são as pessoas cujo objetivo real é desmantelar a rede de seguridade social, e que encontraram na promoção do pânico quanto ao deficit uma maneira efetiva de levar adiante a sua agenda. E essas pessoas foram auxiliadas e tiveram sua tarefa facilitada pelo que gosto de chamar de uma "trahison des nerds" - a disposição de alguns economistas de desenvolver análises que dizem aos poderosos o que estes desejam ouvir, seja que cortar despesas do governo na verdade é uma atitude expansiva, porque criará confiança, seja que a dívida do governo de alguma forma tem efeito deletério sobre o crescimento econômico mesmo que as taxas de juros continuem baixas.

    Quaisquer que tenham sido os motivos para o abandono da Economia básica, o resultado foi trágico. A maior parte do desperdício e do sofrimento que afligiram as economias do Ocidente nos últimos cinco anos eram desnecessários. Temos em nosso poder, o tempo todo, o conhecimento e os instrumentos de que necessitamos para restaurar o pleno emprego. Mas as autoridades econômicas continuam encontrando desculpas para não fazer a coisa certa.

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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