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    Paul Krugman

    O sucesso secreto da Europa

    26/05/2014 13h43

    Passarei os próximos dias em um fórum promovido pelo BCE (Banco Central Europeu), cujo tema, na prática - o que quer que diga o programa - será o destrutivo caos monetário causado pela adoção prematura de uma moeda unificada no continente. O que torna essa história ainda mais triste é que os problemas financeiros e macroeconômicos da Europa eclipsaram seu notável, e quase despercebido sucesso de longo prazo em uma área na qual o continente costumava enfrentar problemas: a criação de empregos.

    O quê? Você não sabia disso? Bem, não é surpresa. As economias europeias, especialmente a da França, costumam ter cobertura desfavorável na mídia dos Estados Unidos. O discurso político americano é dominado por um complexo de Robin Hood invertido - a crença de que o sucesso econômico depende de tratar bem os ricos, que não criarão empregos caso sejam tributados em excesso, e de tratar mal os trabalhadores comuns, que só aceitarão emprego caso não exista alternativa. E de acordo com essa ideologia, a Europa - com seus impostos pesados e Estados de bem-estar social generosos - faz tudo errado. Assim, o sistema econômico europeu deveria estar desabando, e boa parte das reportagens simplesmente trata como fato o desabamento assim postulado.

    A realidade, no entanto, é muito diferente. Sim, o sul da Europa está experimentando uma crise econômica, graças às trapalhadas monetárias. Mas os países do norte da Europa, entre os quais a França, se saíram muito melhor do que imaginam os norte-americanos. Eis um fato especialmente surpreendente e pouco conhecido: os adultos franceses em seus anos de trabalho mais produtivos (dos 25 aos 54 anos) têm probabilidade muito maior de estarem empregados do que os norte-americanos.

    Nem sempre foi assim. Nos anos 90, a Europa tinha de fato sérios problemas de criação de empregos; o fenômeno até recebeu um nome chamativo, "euroesclerose". E parecia óbvio que o problema fosse a rede de segurança social europeia, que havia, como o deputado Paul Ryan gosta de advertir, se transformado em uma rede de varanda, que solapa a iniciativa e encoraja a dependência.

    Mas então uma coisa engraçada aconteceu: a Europa começou a se sair muito melhor, enquanto os Estados Unidos começaram a se sair muito pior. O índice de emprego entre os franceses na faixa de idade mais produtiva superou o norte-americano nos primeiros anos do governo Bush; e hoje, a disparidade no emprego é maior do que era no final dos anos 90, e dessa vez em favor da França. Outras nações europeias com Estados de bem-estar social generosos, como a Suécia e Holanda, se saem ainda melhor.

    Já os franceses mais jovens, no entanto, continuam a ter probabilidade de emprego mais baixa que nos Estados Unidos - mas grande parte dessa diferença reflete o fato de que a França oferece muito mais assistência aos seus universitários, de modo que eles não precisam trabalhar enquanto estudam. Isso é ruim? Além disso, os franceses tiram mais férias e se aposentam mais cedo do que os norte-americanos, e é possível argumentar, especialmente, que os incentivos a uma aposentadoria precoce são generosos demais. Mas quanto à questão central de criar empregos para pessoas que realmente deveriam estar trabalhando, os europeus estão nos derrotando facilmente, a despeito de benefícios sociais e regulamentações que, de acordo com os ideólogos do livre mercado, deveriam resultar em destruição maciça de empregos.

    E para aqueles que acreditam que os norte-americanos desempregados, protegidos por benefícios do governo, simplesmente não estão tentando encontrar emprego, acabamos de executar uma cruel experiência usando como cobaias as piores vítimas de nossa crise de emprego. No final do ano passado, o Congresso se recusou a prolongar os benefícios-desemprego mais longos que estavam em vigor, cortando os benefícios de milhões de norte-americanos. Os desempregados em longo prazo que se viram colocados em situação precária por causa disso começaram a encontrar empregos mais rápido, portanto? Não, de maneira alguma. De alguma forma, parece que a única coisa que conseguimos ao criar mais desespero para os desempregados foi aprofundar sua desesperança.

    Estou certo de que muita gente simplesmente se recusará a acreditar no que estou dizendo sobre os pontos fortes da Europa. Afinal, desde que irrompeu a crise do euro há uma campanha incansável dos conservadores norte-americanos (e de muitos conservadores europeus) para retratá-la como a história do colapso dos Estados de bem-estar social. E eles continuam a repetir esse argumento ainda que algumas das economias mais fortes da Europa, como a Alemanha, tenham Estados de bem-estar social cuja generosidade excede os mais ambiciosos sonhos dos norte-americanos progressistas.

    Mas a macroeconomia, como eu continuo tentando explicar, não é uma fábula moral na qual a virtude seja sempre recompensada e o vício sempre punido. Pelo contrário: crises financeiras e depressões severas podem acontecer em economias de fundamentos muito fortes, como a dos Estados Unidos em 1929. Os erros de política pública que causaram a crise do euro - principalmente a criação de uma moeda unificada sem a forma de união bancária e fiscal que uma moeda unificada requer - tinham basicamente relação nenhuma com o Estado de bem-estar social, de uma forma ou de outra.

    A verdade é que os Estados de bem-estar social à moda europeia se provaram mais resistentes, e conquistaram mais sucesso na criação de empregos, do que a filosofia econômica prevalecente nos Estados Unidos admite.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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