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    Paul Krugman

    Cortando as emissões de carbono

    30/05/2014 13h35

    Na semana que vem, a Agência de Proteção Ambiental (EPA, sigla em inglês) dos Estados Unidos deve anunciar novas regras com o objetivo de limitar o aquecimento global. Ainda que os detalhes não tenham sido divulgados previamente, grupos antiambientais já estão prevendo custos imensos e calamidades econômicas. Não acredite neles. Tudo que sabemos sugere que é possível obter fortes reduções nas emissões de gases causadores do efeito estufa com custo baixo para a economia.

    Pergunte à Câmara de Comércio dos Estados Unidos.

    Está bem, não era essa a mensagem que a Câmara de Comércio estava tentando transmitir com o relatório que lançou na quarta-feira. O estudo claramente pretendia causar a impressão de que as novas regras da EPA seriam destrutivas. Mas se você concentrar suas atenções no conteúdo do relatório e não em sua retórica, descobrirá que a despeito dos melhores esforços da entidade para distorcer as coisas - como explicarei mais tarde, o relatório quase que certamente superestima o custo real da proteção ao clima -, os números que ela apresenta são notavelmente baixos.

    Especificamente, o relatório considera um programa de redução das emissões de carbono provavelmente muito mais ambicioso do que aquele que veremos na realidade, e conclui que de agora a 2030 o custo do programa seria de US$ 50,2 bilhões anuais, em termos de dólares constantes. A ideia é de que esse número pareça imenso. Mas em lugar disso, se você sabe alguma coisa sobre a economia dos Estados Unidos, a ameaça fica parecida com o Dr. Evil exigindo um resgate de "um milhão de dólares" em um filme de Austin Powers. Hoje em dia, US$ 50 bilhões não é assim tanto dinheiro.

    Lembre-se de que temos uma economia de US$ 17 trilhões, e que ela crescerá, com o tempo. Assim, o que a Câmara de Comércio está dizendo, na verdade, é que podemos tomar medidas dramáticas quanto ao clima - medidas que transformariam as negociações internacionais, preparando o terreno para ação mundial -e ao mesmo tempo reduziríamos nossa renda em apenas 0,2%. Isso é muito pouco!

    Alternativamente, considere a estimativa da Câmara do Comércio para o custo por domicílio das medidas - US$ 200 ao ano. Já que o domicílio médio norte-americano tem renda anual de mais de US$ 70 mil anuais, uma vez mais estamos contemplando custos de uma fração de ponto percentual.

    Mais uma comparação útil: o Pentágono alertou que o aquecimento global e suas consequências representam uma ameaça significativa à segurança nacional. (Os republicanos da Câmara dos Deputados responderam com uma emenda legislativa para proibir as forças armadas até de pensar no assunto.) No momento, gastamos US$ 600 bilhões anuais com a defesa. Seria realmente uma extravagância gastar o equivalente a 8% desse orçamento para reduzir uma ameaça séria?

    E tudo isso se baseia nos números oferecidos pelos inimigos do ambientalismo. Os custos reais quase certamente seriam mais baixos, por três motivos.

    Primeiro, o estudo da Câmara de Comércio presume que o crescimento econômico, e o crescimento nas emissões a ele associado, ficará em sua norma histórica de 2,5% ao ano. Mas devemos antecipar um crescimento mais lento, com a aposentadoria da geração do baby boom (os norte-americanos nascidos entre 1946 e 1964), e isso facilitaria atingir as metas quanto a emissões.

    Segundo, na análise da Câmara de Comércio, o grosso da redução de emissões viria da substituição do carvão pelo gás natural na geração de energia. Isso negligencia os progressos dramáticos que vêm ocorrendo nas fontes renováveis de energia, especialmente a energia solar, o que deve facilitar ainda mais o corte nas emissões de carbono.

    Terceiro, a economia dos Estados Unidos ainda está em depressão -e em uma economia deprimida muitos dos supostos custos associados ao cumprimento da regulamentação de energia não são custos, na verdade. Construir novas usinas de energia, com baixas emissões, especialmente, geraria empregos e utilizaria capital que de outra forma estaria ocioso, e tenderia a estimular a economia dos Estados Unidos.

    Você pode perguntar por que a Câmara de Comércio se opõe tão ferrenhamente a ações contra o aquecimento global, se o custo de agir é tão baixo. A resposta, claro, é que ela está servindo aos interesses especiais, especialmente os do setor de carvão - o que é bom para os Estados Unidos não é bom para os irmãos Koch, e vice-versa - e também atendendo ao sentimento de hostilidade à ciência cada vez mais forte nas fileiras do Partido Republicano.

    Por fim, permita-me encarar a linha final de defesa dos inimigos do ambientalismo - a alegação de que pouco importa o que façamos, já que outros países, especialmente a China, queimarão mais e mais carvão. Isso representa uma compreensão errônea dos fatos. Sim, precisamos de um acordo internacional para reduzir emissões, e de sanções contra os países que não assinem. Mas o fato de que os Estados Unidos se recusam a agir vem sendo o maior obstáculo a um acordo como esse. Se começarmos a tomar medidas sérias contra o aquecimento global, estaremos dando um exemplo que a Europa e o Japão seguiriam, e também facilitaríamos ações coordenadas de pressão sobre o restante do planeta.

    É fato que ainda não conhecemos os detalhes da nova proposta de ação climática, e uma análise completa - tanto econômica quanto ambiental - terá de esperar. Mas podemos estar razoavelmente seguros de que os custos econômicos da proposta serão baixos, porque é isso que as pesquisas nos revelam - mesmo as pesquisas pagas pelos inimigos do ambientalismo, que claramente desejavam constatar o oposto. Salvar o planeta pode custar muito pouco.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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