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    Paul Krugman

    O dominó do clima

    06/06/2014 14h59

    Talvez seja só a minha impressão, mas a previsível gritaria de indignação da direita diante das propostas da Agência de Proteção Ambiental (EPA) norte-americana para restringir as emissões de carbono parece estranhamente contida, sem foco.

    Estamos falando, afinal, de pessoas que conseguiram criar indignação nacional inventando "comissões da morte" inexistentes. Agora o governo Obama está fazendo alguma coisa que de fato imporá algum sofrimento, pelo menos a algumas pessoas.

    Onde foram parar as chamativas histórias de horror forjadas?

    Os ataques às novas regras que surgiram, se é que merecem menção, se concentram principalmente nos três Cs: conspiração, custo e China.

    Ou seja, a direita alega que não existe aquecimento global, e que ele não passa de uma trapaça propagada por milhares de cientistas trabalhando no mundo inteiro; que tomar medidas que limitem as emissões dos gases causadores do efeito estufa devastaria a economia; e que, de qualquer forma, a adoção de restrições pelos Estados Unidos não resolveria coisa alguma porque a China continuaria a despejar sujeira na atmosfera.

    Não quero falar muito sobre as teorias da conspiração, e vou me limitar a apontar que qualquer tentativa de compreender a situação política atual dos Estados Unidos precisa levar em conta esse indicador específico da progressiva insanidade do Partido Republicano. Mas há muito que dizer sobre a questão do custo e a da China.

    Quanto ao custo: é razoável argumentar que novas regras com o objetivo de limitar emissões teriam algum efeito negativo sobre o PIB e a renda familiar.

    E mesmo isso não é necessariamente verdade, especialmente em uma economia deprimida, onde regulamentações que requerem novos investimentos podem resultar em criação de empregos.

    Ainda assim, a probabilidade é de que a ação da EPA seja pelo menos um pouco prejudicial, caso as medidas entrem em vigor.

    As alegações de que as medidas teriam efeito devastador, porém, não só são incorretas como incompatíveis com aquilo em que os conservadores afirmam acreditar.

    Se você perguntar aos direitistas como a economia dos Estados Unidos pode enfrentar a oferta limitada de matérias-primas, terra e outros recursos, eles responderão, com grande otimismo, que a magia do mercado nos conduzirá a soluções.

    Mas perdem abruptamente essa fé na magia do mercado quando alguém propõe limitar a poluição - limites que seriam impostos primordialmente por meio de mecanismos de mercado, com um sistema de licenças de emissão negociáveis.

    Quando isso acontece, eles subitamente começam a insistir em que as empresas não seriam capazes de se ajustar, que não existe alternativa a não ser continuarmos fazendo tudo que se relaciona à energia exatamente da maneira que fazemos agora.

    Não é uma postura realista, e não é o que uma análise cuidadosa revela. Não é nem mesmo o que dizem estudos pagos pelos oponentes de qualquer ação quanto ao clima.

    Como expliquei na semana passada, a Câmara de Comércio dos Estados Unidos recentemente bancou um relatório cujo objetivo era mostrar os custos terríveis das propostas políticas que a EPA estava por apresentar –um relatório que adotou as suposições mais desfavoráveis que podia sobre as medidas, em um esforço por tentar fazer com que os custos parecessem maiores.

    Mesmo assim, os custos calculados terminaram por se provar embaraçosamente baixos. Não, reprimir o uso de carvão não vai paralisar a economia dos Estados Unidos.

    Mas e quanto ao aspecto internacional? A esta altura, os Estados Unidos respondem por apenas 17% das emissões mundiais de carbono, ante 27% na China - e a participação chinesa nas emissões vem crescendo rápido.

    Assim, é verdade que os Estados Unidos, agindo sozinhos, não têm como salvar o planeta. Precisamos de cooperação internacional.

    E é exatamente por isso que uma nova política é necessária. Os Estados Unidos não podem esperar que outros países tomem medidas fortes contra as emissões se nos recusarmos a agir, e por isso novas regras são necessárias, para iniciar o jogo.

    E é bem certo que ações norte-americanas serviriam de exemplo para medidas semelhantes pela Europa e Japão.

    Isso deixa a China, e nos últimos dias surgiram muitas declarações cínicas no sentido de que os chineses continuarão a queimar todo o carvão que nós desistirmos de usar. E com certeza não queremos depender de altruísmo chinês.

    E nem precisamos. A China depende imensamente de acesso aos mercados das economias avançadas –boa parte do carvão que ela queima pode ser atribuído direta ou indiretamente ao setor exportador–, e sabe que colocaria em risco esse acesso caso se recuse a fazer sua parte pela salvação do planeta.

    Mais especificamente, se e quando os países ricos tomarem medidas sérias de limitação das emissões de gases causadores do efeito estufa, é muito provável que comecem a impor "tarifas de carbono" aos bens importados de países que não ajam da mesma maneira.

    Tarifas como essas seriam legais sob as regras de comércio internacional vigentes –a Organização Mundial do Comércio (OMC) provavelmente decidiria que a limitação à emissão de carbono representa um imposto sobre o consumo, que pode ser arrecadado tanto sobre os produtos importados quanto sobre os nacionais.

    Além disso, as normas comerciais levam em consideração especial a proteção ao ambiente.

    Assim, a China teria fortes incentivos para começar a limitar suas emissões.

    A nova política do carbono, portanto, deve ser um começo, e não o fim –um dominó que, derrubado, iniciaria uma reação em cadeia que por fim resultaria em medidas mundiais de limitação da mudança do clima.

    Podemos ter certeza de que vão funcionar? Claro que não. Mas é vital que tentemos.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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