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    Paul Krugman

    O chabu fiscal

    21/07/2014 11h30

    Por boa parte dos últimos cinco anos, os leitores de notícias políticas e econômicas foram levados a encarar os deficit orçamentários e a alta na dívida pública como a questão mais importante que os Estados Unidos têm de enfrentar. Pessoas sérias emitiam alertas constantes sobre a possibilidade de que os Estados Unidos se tornassem uma nova Grécia, e a qualquer momento.

    O presidente Barack Obama apontou uma comissão bipartidária especial com a tarefa de propor soluções para a suposta crise fiscal, e dedicou boa parte de seu primeiro mandato a negociar um grande acordo orçamentário com os republicanos.

    O acordo nunca aconteceu, porque os republicanos se recusavam a considerar qualquer proposta que envolvesse aumento de impostos. Mesmo assim, a dívida e o deficit desapareceram das notícias. E existem bons motivos para essa desaparição: a coisa toda não passou de um alarme falso.

    Não estou certo de que os leitores compreendam em que medida o grande pânico fiscal se esvaiu - e os críticos do deficit com certeza continuam criticando.

    Estão até tentando manipular as mais recentes projeções de longo prazo do Serviço Orçamentário do Congresso - que claramente nada têm de alarmante - para que de alguma forma sirvam como confirmação das táticas de intimidação que adotaram no passado.

    Por isso, o momento parece propício para oferecer uma atualização sobre o desastre que nunca aconteceu no campo da dívida.

    PROJEÇÕES

    Sobre as projeções. O serviço orçamentário prevê que o deficit federal este ano seja de apenas 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB), ante 9,8% em 2009.

    É verdade que o fato de ainda estarmos operando em deficit significa que a dívida pública federal continua crescendo, em volume - mas a economia também está crescendo, o que significa que a crucial razão entre a dívida e o PIB deve se manter mais ou menos inalterada pelos próximos 10 anos.

    Depois disso, as coisas devem se deteriorar, especialmente por conta do impacto de uma população envelhecida sobre o programa federal de saúde Medicare e sobre a previdência. Mas o custo dos serviços de saúde, que costumava desempenhar papel assustador nos cenários orçamentários, registrou desaceleração dramática em sua alta.

    Como resultado, a despeito do envelhecimento, a dívida em 2039 - ou seja, daqui a um quarto de século! - não deve ser mais alta, como porcentagem do PIB, do que a dívida que os Estados Unidos tinham no final da Segunda Guerra Mundial ou que o Reino Unido manteve pela maior parte do século 20.

    Oh, e o serviço orçamentário agora antecipa que as taxas de juros se mantenham relativamente baixas, e que não superem em muito o ritmo de crescimento da economia. Isso por sua vez enfraquece, e quase elimina, o risco de uma espiral de dívida, na qual o custo de serviço da dívida dispararia cada vez mais.

    Ainda assim, uma dívida em alta não é boa. Por isso, o que deveríamos fazer para evitar qualquer alta na razão entre dívida e PIB?

    A surpresa é que não muito é necessário. O serviço orçamentário calcula que para estabilizar a razão entre dívida e PIB em seu nível atual seriam necessários cortes de gastos ou aumentos de impostos da ordem de 1,2% do PIB se começarmos agora, ou 1,5% do PIB se esperarmos até 2020.

    Politicamente, a tarefa seria difícil dada a completa oposição republicana a qualquer coisa que um presidente democrata possa propor, mas em termos econômicos a tarefa seria simples e não requereria qualquer grande mudança em nossos grandes programas sociais.

    Em resumo, o apocalipse da dívida foi cancelado.

    CRISE DE CONFIANÇA

    Espera lá -mas e quanto ao risco de uma crise de confiança?

    Houve muitos alertas de que uma crise como essa era iminente, alguns deles acoplados a admissões surpreendentemente francas de decepção por ela ainda não ter acontecido. Por exemplo, Alan Greenspan alertou sobre a "analogia grega" e declarou que era "lamentável" que as taxas de juros e inflação ainda não tivessem disparado nos Estados Unidos.

    Mas isso foi mais de quatro anos atrás, e tanto a inflação quanto a taxa de juros continuam baixas. Talvez os Estados Unidos, que entre outras coisas captam recursos em sua moeda e portanto não correm risco de ficar sem caixa, não sejam assim tão parecidos com a Grécia, afinal.

    De fato, mesmo dentro da Europa a severidade da crise diminuiu rapidamente quando o Banco Central Europeu (BCE) começou a fazer seu trabalho, deixando claro que faria "tudo que fosse necessário" para evitar crises de caixa nos países que abandonaram suas moedas para adotar o euro.

    Você sabia que a Itália, que continua profundamente endividada e sofre muito mais do que nós com o fardo do envelhecimento de sua população, toma empréstimos de longo prazo por juros de apenas 2,78%, agora? E que a França, objeto de tantas reportagens negativas, paga juros de apenas 1,57% por sua captação?

    Assim, não temos uma crise de dívida - e jamais a tivemos. Por que todo mundo parecia pensar o contrário?

    É justo afirmar que houve algumas boas notícias de verdade sobre as perspectivas fiscais em longo prazo, principalmente quanto à saúde. Mas é difícil escapar à sensação de que o pânico sobre a dívida foi promovido porque servia a um propósito político, e muita gente promovia a ideia de uma crise da dívida como forma de atacar a previdência e o Medicare.

    E isso causou muitos danos ao longo do caminho, desviando a atenção do país dos problemas reais - o desemprego paralisante, a infraestrutura deteriorada e outras questões - por anos a fio.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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