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    Paul Krugman

    A desigualdade atrapalha

    08/08/2014 12h35

    Por mais de três décadas existiu acordo, entre quase todo mundo que importa na política dos Estados Unidos, quanto a que impostos mais altos para os ricos e assistência ampliada aos pobres prejudicavam o crescimento econômico.

    Os progressistas em geral consideram que essa é uma barganha que vale a pena, e estão dispostos a aceitar alguma queda no Produto Interno Bruto (PIB) em troca de ajudar os concidadãos necessitados.

    Os conservadores, por outro lado, defendem em sua teoria econômica o efeito "trickle down" (o de que o enriquecimento dos ricos "goteja" para beneficiar os pobres), insistindo em que a melhor política é cortar os impostos dos ricos, reduzir fortemente a assistência aos pobres e contar que a maré alta erga igualmente todos os barcos.

    Mas agora existem indícios crescentes em favor de uma nova interpretação, a de que a premissa para esse debate é errada, e que aumentar a equidade não significa reduzir a eficiência. Por quê?

    É fato que economias de mercado precisam de certa dose de desigualdade para funcionar. Mas a desigualdade norte-americana se tornou tão extrema que vem infligindo sério sofrimento econômico.

    E isso, por sua vez, implica que a redistribuição - ou seja, tributar os ricos para ajudar os pobres - pode bem elevar, e não reduzir, o ritmo de crescimento da economia.

    Você pode se sentir tentado a descartar essa ideia como otimismo infundado, uma espécie de equivalente progressista à fantasia direitista de que cortar os impostos dos ricos resultará em aumento na arrecadação tributária.

    PROVAS

    Na realidade, existem provas sólidas, vindas de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), de que uma desigualdade elevada prejudica o crescimento e de que a redistribuição pode ser boa para a economia.

    No começo desta semana, a nova visão quanto a desigualdade e crescimento ganhou o apoio de um novo relatório da agência de classificação de crédito Standard & Poor's, que sustenta a posição de que uma desigualdade muito forte prejudica o crescimento.

    A agência estava resumindo o trabalho alheio, e não apresentando pesquisas novas que ela mesma tenha conduzido, e ninguém precisa aceitar o que ela afirma como verdade inquestionável (basta recordar seu ridículo rebaixamento dos títulos de dívida pública federais norte-americanos).

    O que o endosso da S&P demonstra, porém, é até que ponto essa nova visão sobre a desigualdade ganhou circulação. A esta altura, não existe motivo para acreditar que reconfortar os confortáveis e afligir os aflitos seja bom para o crescimento, e bons motivos para acreditar no oposto.

    Especificamente, se você considerar de forma sistemática os dados internacionais sobre desigualdade, redistribuição e crescimento - e é isso que fizeram os pesquisadores do FMI -, constatará que níveis mais baixos de desigualdade estão associados a crescimento mais rápido, e não mais lento.

    Além disso, a redistribuição de renda em níveis típicos dos países avançados (com os Estados Unidos muito abaixo da média) está "robustamente associada a crescimento mais alto e mais durável".

    Ou seja, não existe prova de que enriquecer ainda mais os ricos enriqueça a nação, mas existem fortes provas de que tornar os pobres menos pobres a beneficie.

    INCENTIVOS

    Mas como isso é possível? Tributar os ricos e ajudar os pobres não reduz o incentivo a ganhar dinheiro?

    Sim, reduz, mas incentivos não são a única coisa que importa para o crescimento econômico. Oportunidade também é crucial. E a desigualdade extrema priva muitas pessoas da oportunidade de realizarem seu potencial.
    Pense a respeito.

    As crianças talentosas nas famílias norte-americanas de baixa renda têm a mesma chance de usar seu talento - de obter a educação certa, de seguir o percurso de carreira certo - que os filhos de famílias em escalões mais altos da hierarquia? É claro que não. E isso, além do mais, é não só injusto como dispendioso. Desigualdade extrema significa um desperdício de recursos humanos.

    E programas governamentais que reduzam a desigualdade podem tornar o país como um todo mais rico, ao reduzir esse desperdício.

    Considere, por exemplo, o que sabemos sobre o programa de assistência alimentar às famílias de baixa renda, alvo perene dos conservadores, que alegam que ele reduz o incentivo a trabalhar. Os indicadores históricos sugerem, de fato, que prover assistência alimentar reduz em alguma medida o esforço de trabalho, especialmente para as mães solteiras.

    Mas também sugerem que os norte-americanos que tiveram acesso a assistência alimentar quando eram crianças cresceram mais saudáveis e produtivos do que aqueles que não receberam assistência, e isso significa que fizeram contribuição maior à economia.

    O propósito do programa de assistência alimentar era reduzir a miséria, mas é um bom palpite afirmar que ele também beneficiou o crescimento econômico dos Estados Unidos.

    SAÚDE

    Eu argumentaria que o mesmo provará ser verdade quanto à reforma da saúde do presidente Obama.

    O subsídio federal a planos de saúde induzirá algumas pessoas a reduzir seu número de horas trabalhadas, mas também significará maior produtividade da parte dos norte-americanos que por fim estarão recebendo os cuidados de saúde de que precisam, e isso sem mencionar o uso melhor de sua capacitação porque agora eles podem mudar de emprego sem medo de perder sua cobertura de saúde.

    No geral, a reforma da saúde provavelmente nos tornará mais ricos e também mais seguros.

    Será que a nova visão sobre a desigualdade mudará nosso debate político? Deveria. Ser bonzinho com os ricos e cruel com os pobres não é a chave para o crescimento econômico, como viemos a constatar. Pelo contrário: tornar nossa economia mais justa também a tornaria mais rica. O efeito "trickle down" acabou; agora é hora de os efeitos positivos fluírem de baixo para cima.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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