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    Paul Krugman

    A desaceleração permanente

    15/08/2014 15h46

    É difícil acreditar, mas quase seis anos se passaram desde que a quebra do banco Lehman Brothers deflagrou a pior crise econômica desde a década de 1930. Muitas pessoas, entre as quais me incluo, gostariam de mudar de assunto. Mas não podemos, porque a crise de forma alguma acabou.

    A recuperação não está completa, e políticas erradas ainda podem transformar a fraqueza da economia em uma depressão mais ou menos permanente.

    De fato, isso é o que parece já estar acontecendo na Europa. E os demais países deveriam aprender com a experiência europeia.

    Antes que eu trate das mais recentes más notícias, vamos falar sobre a grande discussão de políticas que vem fervilhando há mais de cinco anos. É fácil perder o rumo em meio aos detalhes, mas basicamente estamos falando de uma disputa entre o pessoal do "isso não basta" e o pessoal do "isso é demais".

    VISÕES CONTROVERSAS

    A turma do "isso é demais" argumenta incessantemente que as medidas que os governos e bancos centrais estão tomando para limitar a profundidade da queda prepara o terreno para algo pior.

    Recorrer a deficit, eles sugerem, qualquer dia desses vai resultar em uma crise ao estilo grego –isso aconteceria dentro de dois anos, declararam Alan Simpson e Erskine Bowles há três anos e meio.

    As compras de ativos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) acarretavam risco de "desvalorização da moeda e de inflação", de acordo com um quem é quem de economistas, investidores e sabichões republicanos em carta aberta a Ben Bernanke em 2010.

    O pessoal do "isso não basta" –um grupo do qual faço parte– vem argumentando o tempo todo que o perigo claro e imediato é de "niponização", e não "helenização". Ou seja, temos alertado que o estímulo fiscal inadequado e uma virada prematura para a austeridade poderiam resultar em uma década perdida ou mais de depressão econômica, que o Fed deveria estar fazendo ainda mais para estimular a economia, e que a deflação –não a inflação– era o grande risco que o mundo ocidental teria de encarar.

    Para dizer o óbvio, nenhuma das previsões do pessoal do "isso é demais" se concretizou. Os Estados Unidos não passaram por uma crise ao estilo grego, com disparada nos custos de captação. De fato, mesmo na Europa a crise da dívida em geral desapareceu assim que o BCE (Banco Central Europeu) começou a exercer sua função de instituição de empréstimos de último recurso. E enquanto isso a inflação se manteve baixa.

    No entanto, embora o pessoal do "não é o bastante" estivesse certo ao descartar os alertas sobre taxas de juros e inflação, nossas preocupações quanto a uma possível deflação tampouco se provaram reais, até o momento.

    Isso resultou em reconsideração extensa sobre o funcionamento do processo inflacionário (se houve alguma reconsideração do lado adversário, eu não a vi), mas o pessoal do "isso não é suficiente" continua a se preocupar com os riscos de uma desaceleração quase permanente em estilo japonês.

    O que me conduz aos problemas da Europa.

    DILEMA EUROPEU

    No geral, o pessoal do "isso é demais" exerceu muito mais influência na Europa do que nos Estados Unidos, enquanto o pessoal do "isso não basta" não exerceu influência alguma.

    As autoridades europeias abraçaram avidamente as doutrinas, hoje desacreditadas, que supostamente justificavam a austeridade fiscal mesmo em economias deprimidas (ainda que os Estados Unidos tenham na prática recorrido a boa dose de austeridade, graças ao corte compulsório de despesas federais imposto pelo Legislativo e à redução nos gastos municipais e locais).

    E o BCE não só não acompanhou as aquisições de ativos do Fed como elevou suas taxas de juros em 2011 para combater o risco imaginário de inflação.

    O BCE reverteu o curso quando a Europa voltou a cair em recessão e, como já mencionei, sob a liderança de Mario Draghi fez muito por aliviar a crise da dívida europeia. Mas isso não foi suficiente. A economia europeia começou a crescer de novo no ano passado, mas não o bastante para reduzir mais do que um pouco o índice de desemprego.

    E agora o crescimento travou, enquanto a inflação caiu para bem menos que a meta de 2% do BCE; nos países devedores, os preços estão em queda. É um quadro realmente deplorável. Draghi e companhia precisam fazer todo o necessário para reverter a situação, mas dadas as restrições políticas e institucionais que enfrentam, pode-se argumentar que a Europa terá sorte se tiver apenas uma década perdida a enfrentar.

    A boa notícia é que as coisas não parecem tão terríveis nos Estados Unidos, onde a criação de empregos enfim parece ter se recuperado e a ameaça de inflação recuou, ao menos por enquanto. Mas bastariam alguns choques pesados e/ou equívocos políticos para que seguíssemos o mesmo caminho.

    A boa notícia é que Janet Yellen, a presidente do Fed, compreende o perigo; ela deixou claro que preferiria o risco de uma alta temporária na inflação ao risco de aplicar os freios cedo demais,como o BCE fez em 2011.

    A má notícia é que ela e seus colegas estão sob forte pressão do pessoal do "isso é demais" para fazer a coisa errada. O grupo aparenta nada ter aprendido com seus anos e anos de erros, e continua a agitar por juros muito mais altos.

    Há uma velha piada sobre um cara que decide que precisa parar de se preocupar, porque as coisas poderiam ser piores. E assim que o faz, elas ficam piores. É mais ou menos o que aconteceu na Europa, e não deveríamos permitir que aconteça aqui.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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